Peço desculpa por arrancar com aquela que é, provavelmente, a palavra mais feiosa que já deu início a um destes textos: governamentalizar. Quer dizer, agora que penso nisso, vários títulos de crónicas terão começado com “Sócrates”, “Costa”, “Bloco”, e por aí fora. Mas governamentalizar não é, de facto, bonito. Só que tinha mesmo de ser, porque não se fala de outra coisa que não o excedente orçamental que o governo do PS transmite, qual legado, ao novo governo da AD.

O governo do PS, mas muito em particular o Ministro das Finanças, Fernando Medina. Que grande brilharete por banda de Medina. O agora ex-futuro-quem-sabe-de-novo-candidato-a-suceder-a-Pedro-Nuno Santos-que-entretanto-foi-o-sucessor-de-Costa, está a fazer as delícias dos fãs socialistas, como não fazia as delícias de ninguém desde que fez as delícias dos fãs de Putin quando, ainda Presidente da Câmara de Lisboa, se chibou de manifestantes anti-regime soviético à embaixada da Rússia na capital.

Impressionante, o percurso recente de Fernando Medina. Da perda da Câmara Municipal de Lisboa, que quase o levou a sair pelo porta do cavalo, ao excedente que o torna um mago das Finanças, enquanto faz de nós todos burros.

Porque esta história do excedente mais não é que uma nova versão do clássico “privatizar os lucros e socializar os prejuízos”. Só que neste caso trata-se de governamentalizar os lucros e privatizar os prejuízos. Os lucros são do finado governo, que assim lucra, e forte, em termos mediáticos, passando a ideia de o PS ser o partido das contas certas. Os prejuízos são da generalidade dos portugueses, a quem o governo das “contas certas” obriga a fazer certas contas. Do tipo, “Adquiro este par de meias em saldo na feira, ou compro duas saquetas de chá que, em verdade, aquece todo o corpo? Tem é a desvantagem de ter de ser aquecido no forno, desperdiçando gás que podia ser útil para fazer explodir a casa a ver se o seguro me pagava o arranjo das janelas que deixam entrar o frio todo.”

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A narrativa que o PS quer agora criar é a de estar tudo óptimo graças ao estupendo desempenho do defunto governo socialista. Quando ainda há escassas semanas havia imensas coisas péssimas, todas culpa do Passos, claro. Mas como é que tanta coisa mal – por culpa do Passos – em tempo de campanha redundou em tamanho sucesso para os socialistas? Porque capaz de mais mudanças de narrativa do que este PS só mesmo este PS quando voltar a mudar de narrativa.

No fundo, esta governamentalização dos lucros é a face da moeda que do outro lado tem os prejuízos dos privados. Privados cada vez com mais dificuldade em acumular sequer moedas, após pagarem no privado aqueles serviços que não têm no sector público, apesar de por eles pagarem bom dinheiro em impostos.

Até Carlos César veio dizer que o excedente devia ser menor. Se bem que Carlos César não é exemplo, por tratar-se de um indivíduo reconhecido por não gostar de sobras. Basta ver que, em todo o seu agregado familiar, não sobra ninguém a quem dar um bom empregos em cargo público, cortesia do Partido Socialista e suas metástases.

Resumindo e caso não tenha ficado clara a minha opinião. Isto dos cofres cheios é só mais uma valente aldrabice socialista. Quer dizer, não é “só mais uma”. É, isso sim, uma espécie de punchline trafulha na grande moscambilha que foram estes 8 anos de governação socialista.

A não ser que, atenção, a não ser que queiram explicar melhor a proveniência destes cofres que, supostamente, estão cheios. Se me disserem que estes cofres cheios de que fala o PS foram adquiridos na mesma loja onde a mãe de José Sócrates comprou aquele cofre que estava sempre a abarrotar e de onde o filho se servia, retiro de imediato o que disse. Fico a aguardar eventual confirmação. Com os melhores cumprimentos,

Tiago Dores