Esta sensação de que a vida nos foge à medida que ficamos mais velhos tem muito a ver com a falta de novas primeiras vezes, i.e., um número cada vez menor de novas experiências que possamos considerar primeiras vezes. Já não há primeiro dia do colégio, primeira batida com o carro, primeira compra de casa, primeiro voo, primeiro amor ou primeiras férias com amigos. Será mais um dia a trabalhar, mais uma viagem para o mesmo local, mais umas férias na mesma praia. Ah, e aldrabar isto com mudar de praia todos os anos (mesmo se no exterior!) já pouco adianta porque a sensação praia torna-se familiar e tudo perde a intensidade das primeiras vezes.
Ou seja, o tempo parece que nos escapa porque estamos menos intensos. E há menos primeiras vezes em tudo. Como deixamos de ter grandes momentos, grandes intensidades e grandes esperiências, assim podemos considerar que o tempo se torna mais rápido porque também quase nada é memorável.
Mais, a perceção da passagem do tempo não está, ao que se sabe, exatamente associada a um ou algum sistema sensorial de forma explícita. A neurociência aponta, mesmo, para a existência de várias dinâmicas (talvez sistemas que interajam uns com os outros) que regem essa mesma perceção da passagem do tempo. O córtex cerebral, os gânglios basais e o cerebelo fazem parte desses sistemas que contribuem para a noção da passagem do tempo. Só que cada qual trabalha de sua maneira e com os seus próprios ritmos e tempos.
É como se tudo não fosse síncrono. Há, pois, quanto ao tempo e sua mensuração, uma dificuldade no ser humano que é a distinção entre tempo percecionado e tempo real.
Ora a perceção não é o tempo real. A perceção é apenas uma representação subjetiva e manipulável do tempo. O tempo real, esse, é mesmo inexorável. Mas o tempo percebido é manipulável. E podemos dar mais ou menos pela passagem do mesmo dependendo da forma como percecionamos o tempo.
Há quem sugira que o tempo tem avaliações mais explícitas e mais implícitas. As contagens explícitas, feitas por uma zona do cérebro, são utilizadas na estimativa de duração de um estímulo (quase em simultâneo com a sua ocorrência). As contagens implícitas são usadas para prever a quantidade de tempo que um evento futuro demorará a ocorrer, feitas por uma outra zona do cérebro diferente da anterior.
Ora se as duas estimativas do tempo não envolvem as mesmas áreas do cérebro então não são coincidentes.
Se a somar a isto se alargar o estímulo a toda a informação sensorial (todos os sentidos) disponível e rececionada, depressa se perceberá que a velocidade de processamento (visual, gustativo, tateado, ouvido e cheirado), sendo diferente consoante o canal por onde seja recebido o estímulo, terá de ser agregado e integrado por forma a criar uma figura unificada (mapa mental, para simplificar).
Trata-se de uma espécie de “big data” do cérebro recebido por fontes diferentes mas processada toda para uma mesma resposta única (o volume de dados é enorme e as origens são variadas, tão variadas quanto os sentidos e/ou as suas combinações, sendo certo que não se usa normalmente o sentido de profundidade nem o sentido de equilíbrio, por exemplo, além de outros, nos convencionais cinco sentidos – há portanto muito mais que os triviais cinco sentidos).
Isto dito, a ideia é sublinhar que existem mecanismos de avaliação diversa do tempo decorrido e a decorrer – passado, presente e futuro. Para além do efeito experiência passada, estas avaliações por mecanismos diversos tornam o processo subjetivo pelo que se pode conceber que o cérebro é manipulável no que ao tempo diz respeito. E claramente distorcido em determinadas circunstâncias. Há, com isto, ilusões temporais várias.
Porém, e como referido, o tempo é inexorável e como pessoalmente tenho tendência a dizer, dificilmente gerível: os dias têm 24 horas, as horas 60 minutos e os minutos 60 segundos. Para cima (dias, semanas, anos, décadas, séculos) e para baixo (até todas as frações de segundo que se possam imaginar) o tempo é sempre o tempo e imutável. E as contagens são sempre feitas da mesma forma. O tempo não se gere, portanto. A perceção do tempo pode ser influenciável, não sei se gerível. A agenda e as prioridades, essas sim, geríveis num tempo incompressível ou inextensível: o tempo é o tempo. Intransigentemente sempre o mesmo.
Por outro lado, se confrontados com a velocidade a que passou o tempo, sobretudo os anos mais recentes, deparamo-nos com a ilusão do tempo em relação ao tempo absoluto (idade). Trata-se mais uma vez de um efeito condicionado pela experiência e criando elevada subjetividade.
Assim, com quatro semanas de idade, uma semana é um quarto da nossa vida pelo que uma nova semana, para passar demorará 20% do tempo total final vivido. Ao fim de um ano uma semana será apenas uma em cinquenta e duas do ano (aproximadamente 2% do tempo absoluto de vida). Quando chegados aos 40 anos vivemos 2.080 semanas pelo que mais uma semana representa tão-só 0,05% do tempo de vida. Aos 50 anos, por exemplo, um ano de vida representa sensivelmente o mesmo que uma semana de vida ao termos um ano de idade (aproximadamente 2% do tempo absoluto de vida). Ou seja, muito embora o tempo seja exatamente o mesmo, a perceção do mesmo não é feita da mesma maneira consoante a idade que temos.
Desta forma, esperar 24 dias antes de abrir os presentes de Natal aos cinco anos é proporcionalmente o mesmo que esperar um ano quando se tem 54 anos de idade.
Tudo isto para concluir da seguinte forma: o tempo dificilmente se gere porque intransigente e inflexível. Coloca-se mais ou menos agenda e prioridades dentro desse tempo. Mais, para concluir que o ano que vem terá 365 dias para todos e sempre contados da mesma maneira. Não venham pois dizer que passou muito mais depressa que um ano qualquer há dez anos atrás. A subjetividade estará amplamente presente nestas avaliações por vários motivos: sensações, manipulação, tempo absoluto de vida, falta de grandes momentos.
Aproveitem pois os próximos 365 dias. Chamam-lhe ano. Como queiram. Mas aproveitem. Porque são mesmo 365 dias o que dará 31.536.000 segundos para todos. Toca a vivê-los com intensidade e momentos que fiquem.
A todos, um bom ano 2018. Com menos preocupação para onde vai o tempo eu diria assim: um ano com serenidade – pois a serenidade convive bem com o tempo – são as minhas aspirações e votos para este novo ano.
Professor Catedrático – NOVA SBE – NOVA School of Business and Economics, crespo.carvalho@novasbe.pt