Eu acredito que esteja confuso com o teor da campanha eleitoral e o que tem ouvido dos candidatos. Afinal o que está em causa é a governação dos últimos anos, as políticas de austeridade, os sacrifícios que a “troika” impôs e com que o executivo de Passos Coelho foi conivente? É mostrar um sinal vermelho ao governo da coligação PSD/PP levando-o a resignar esmagado ao peso da humilhação eleitoral?
É lançar os alicerces do próximo poder em Portugal, numa espécie de pré-legislativas? Meu caro, caro eleitor, deixe-me dar-lhe uma notícia: não é nada disso. Eu sei, repito, que parece sê-lo, a escutar quase todos os partidos e quase todos os candidatos. E nem se trata de algo original, pois em muitas eleições europeias e em quase todos os países europeus se passa o mesmo. Mas este ano há novidades importantes, que o devem levar a si, caro eleitor, a pensar bem antes de resolver abster-se.

Em 1º lugar, nunca como este ano se coloca de forma tão clara e incisiva a opção entre o Sim ou o Não à União Europeia. Os partidos anti-europeus são até favoritos em países como o Reino Unido ou a França. Também em Portugal, nos extremos, alguns partidos fazem campanha contra a integração europeia ou, pelo menos, contra o euro.
Não que, na minha opinião, promovam um debate sério e profundo sobre a Europa, pois limitam-se em geral aos chavões, demagógicos e não fundamentados. Mas o risco de um Parlamento Europeu (PE) com grande número de eurocépticos é grande.
Em 2º lugar, a resposta à pergunta decorrente da minha última frase: e porque seria mau ter um PE anti-Europa? Simplesmente porque a Europa ainda é, para todos os europeus, o melhor local possível – um continente com liberdade de circulação, políticas comuns, moeda única e objectivos partilhados -, algo que os vociferantes anti-europeus escondem ou ignoram. Não será este o local para apresentar a lista exaustiva das razões da minha afirmação (sugiro que para isso consultem o blog euratória.com).

Deixo uma, a título de aperitivo: o desenvolvimento e bem-estar dos cidadãos dos países da União é hoje muito maior em todos os países do que à data da adesão. Não sou eu que o digo, são os números, quer por exemplo em relação aos países de leste que aderiram entre 2004 e 2007 quer mesmo, sublinhe-se, a Portugal.
Terceiro, e por fim, a escolha do próximo Presidente da Comissão. Como sabe, caro eleitor, há vários candidatos propostos pelos partidos políticos europeus. Mas mais do que as pessoas está em causa um princípio: o da prevalência da supranacionalidade europeia sobre os tradicionais egoísmos nacionais. Se o sucessor de Barroso resultar da escolha dos europeus, a próxima Comissão será mais eficaz e respeitada, começando-se a inverter o processo de intergovernamentalização acelerado pelas consequências de um Tratado de Lisboa institucionalmente muito mal desenhado, afinal o que criticam verdadeiramente, sem o saber, os que criticam a União.

Esta primeira parte de Partida Completa foi escrita ao longo das últimas semanas a observar a campanha e os argumentos dos vários actores. Mantendo-se quase integralmente o que nela digo, importa ressalvar a entrevista feita por este jornal a Rangel e Assis, com os assuntos europeus em destaque. Caro eleitor (parabéns ao Observador), nesse trabalho encontra muitas das razões que o devem levar a votar.

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Intervalo: a força do futebol
Centenas de milhares no Marquês, em Madrid a festejar a vitória do Atlético, uma invasão espanhola de Lisboa marcada para dia 24. O futebol, este ano com marca ibérica pronunciada, assume cada vez mais uma dupla dimensão: de válvula de escape das muitas frustrações sentidas pelas pessoas nas suas vidas; e de elemento identitário fundamental, congregante de “tribos” nacionais e infra-nacionais (clubísticas), unidas por factores aleatórios (tradição familiar, exposição a ciclos de vitória), com forçacrescente nas sociedades modernas e impossível de ignorar.
Também por isso escolhi para título desta crónica semanal no Observador a expressão Partida Completa. Partida pode ser muita coisa, um encontro desportivo, o começo de algo inovador como este jornal, uma simples brincadeira. Por definição, nenhuma partida, mesmo se completada, alguma vez se completa; é essa a essencial natureza das coisas humanas que os humanos, tantas vezes, esquecem.

Segunda parte: a raça dos comentadores
Se, por milagre, todos os comentadores começassem só a falar do que realmente sabem, fazia-se um enorme silêncio em Portugal. Antes que me acusem de plágio: ouvi esta frase aplicada a Espanha da boca do ministro José Maria Garcia-Margallo, num programa transmitido pela televisão espanhola este fim-de-semana.
Como tantos de nós, já muitas vezes dei por mim a escutar ou ler comentadores sobre assuntos a respeito dos quais sei uma coisa ou duas e a perguntar-me se aquele senhor ou aquela senhora não teriam ficado melhor calados? E vendo-me de novo nas vestes de comentador, antecipadamente me penitencio: nem sempre falarei só do que realmente sei; mas farei os possíveis.

Resultado final: esta semana, não pode deixar de ser, a vitória é do recém-nascido Observador. Tenha longa vida e que rapidamente se torne um paradigma da nova imprensa.