Há muitos anos que não vejo programas de comentadores de futebol, mas gosto muito de picardias depois dos jogos. “O árbitro não marcou aquele penálti a favor da minha equipa, mas há quatro anos, num lance semelhante, marcou o penálti contra nós e até mostrou o segundo cartão amarelo ao defesa.” São discussões intermináveis, que estimulam o nosso lado mais emocional e permitem que venha ao de cima toda a irracionalidade. Afinal de contas, somos seres irracionais.

Mas aquilo que gosto particularmente, é das tentativas de introduzir racionalidade neste debate. Alguns jornais desportivos fazem umas análises dos clubes mais beneficiados e prejudicados pela arbitragem. E depois fazem tabelas corretivas, do tipo: o clube A tem 39 pontos, mas, se as decisões tivessem sido todas corretas, só teria 37. E o Clube B tem 36 pontos, mas com uma arbitragem exemplar teria 41. É uma tarefa que sempre admirei. Não há nada como racionalizar o irracional.

Vem isto a propósito dos apoios de políticos a candidatos à liderança de clubes desportivos. A notícia de que o Primeiro-Ministro apoia Luís Filipe Vieira chocou algumas pessoas. Rapidamente, o António esclareceu que o fez como cidadão. E nenhum cidadão pode estar impedido de gozar da sua irracionalidade e apoiar quem quiser. Tem razão.

Faz-me lembrar uma entrevista do Jardel (ou outro jogador qualquer, já não me recordo) em que este dizia: “O Jardel quer cumprir o contrato.” E quem o ouvia percebia perfeitamente que o cidadão Jardel estava a falar do jogador Jardel. E, por isso, falava na terceira pessoa. Enquanto o jogador tinha um grande amor ao clube e queria cumprir o contrato até ao fim, o cidadão estava a pensar na conta bancária e queria ir para outro clube. É perfeitamente legítimo.

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O problema foi quando Fernando Medina esclareceu que “ele próprio e o Primeiro-Ministro” já tinham apoiado o mesmo candidato há quatro anos. Mas então, afinal, há quatro anos o apoio foi dado como Primeiro-Ministro e agora como cidadão? O que é que terá acontecido em quatro anos para o Primeiro-Ministro mudar de opinião? Será que tem a ver com o processo e-toupeira em que o arguido principal tinha gabinete ao lado de Vieira, apesar de, ao que tudo indica, estar a ser acusado por ter alegadamente atuado por sua própria iniciativa? Ou será que tem a ver com os e-mails tornados públicos, que dão nota de um esquema de manipulação, apesar de não poderem ser usados contra o Benfica? Já para o honrado cidadão António nada disto faz confusão, nem sequer as dívidas ao BES que o próprio cidadão António está a pagar. Mas ao cidadão perdoam-se estas irracionalidades, porque fazem parte do amor ao clube.

Alguns vieram a público argumentar que há mais políticos na comissão de (des)honra, que também os houve noutras eleições de outros clubes e até já houve – imagine-se – políticos convidados para assistir a jogos internacionais. A partir deste momento, impõe-se a elaboração de uma tabela de desonras, à semelhança da tabela corretiva dos pontos no campeonato de futebol.

A primeira dúvida que tenho, é se os convidados para assistir a jogos devem constar dessa tabela. Se forem jogos internacionais importantes, não parece haver dúvida nenhuma, porque nesses jogos somos todos portugueses. Lá no fundo não é bem assim, mas fica bem dizer que o amor ao país é mais forte. Situação diferente é pedir bilhetes para si e para familiares, sobretudo quando se tem de decidir, no âmbito de funções governativas, processos desse clube. Mas ao Cristiano tudo se perdoa.

A seguir temos os políticos sem funções executivas que aceitam pertencer a essas comissões. Não tendo poder de decisão, não se coloca a questão de conflitos de interesses. E como os cidadãos são livres de se darem com pessoas pouco recomendáveis, o partido que tire as ilações que quiser na escolha dos seus representantes.

Depois temos os autarcas que também gostam de aparecer nas listas de apoiantes dos candidatos aos clubes da cidade. Se na mesma autarquia existir um clube rival, não é lá muito simpático. Mas os adeptos desses clubes que se queixem, se quiserem. Portanto, o problema está outra vez na reputação e credibilidade do candidato a quem se dá o aval. Nessa medida, cada um que faça a gestão da emoção clubística como quiser e os eleitores tirem as devidas ilações.

No topo da tabela temos os governantes da nação que dão o seu apoio aos candidatos a líderes dos clubes. Mas, mais uma vez, é preciso esclarecer em que condição dão esse apoio. Já tinha sido na qualidade de político que António Costa foi número dois de Sócrates, que convidou familiares para o seu Governo e que foi conivente com uma quantidade enorme de trapalhadas. Nada de novo. Enquanto cidadão, António era, até agora, visto como uma pessoa simpática, afável e credível. Agora ficamos a saber um pouco mais sobre este cidadão. Podemos dizer que cometeu um penálti. Mas isso acontece aos melhores, não é grave. Perante o problema, Vieira imitou aqueles miúdos que resolvem o problema de forma magnânima quando as coisas estão a correr mal. Pegam na bola e dizem: “A bola é minha, acabou-se o jogo!” Infelizmente (ou não), este tipo de jogadas pseudo-políticas já não colhem junto do povo. Nada altera o facto: António Costa e Fernando Medina estão com Luís Filipe Vieira, para o bem e para o mal; tal como estiveram com José Sócrates. O remate final, aparentemente, já conhecemos: não sabíamos, não vimos, não ouvimos, não estávamos por lá… Portugal está, infelizmente, reduzido a um grupo de amigos, dos mais variados partidos, que partilham entre si a mesma coisa: estão lá para todas as ocasiões, mas aparentemente têm esta tendência incrível para a perda de memória…