Partidos que estão sistematicamente fora do poder, e que a ele não ambicionam, são partidos descomprometidos. Isso permite-lhes ser irresponsáveis. O que, dependendo das circunstâncias, pode ser bom ou mau. Durante décadas quer o Partido Comunista Português quer o Bloco de Esquerda estiveram fora do chamado arco de governação. Actualmente, apesar de não estarem no governo, estão comprometidos com a governação. Isso enriquece a democracia por um lado, mas tenho medo que a empobreça por outro.
Com o PCP e o BE fora do poder, estes partidos puderam ficar fora de parte da teia de interesses que capturou o Estado. Mais livre o BE do que o PCP, que sempre foi um partido mais institucional (por causa quer da sua importância autárquica e sindical, quer da sua lealdade para com países com governos ditatoriais comunistas). E, naturalmente, por motivos ideológicos, mais livres das teias lançadas pelos interesses empresariais privados do que das teias associadas ao sector público, incluindo o Sector Empresarial do Estado.
Graças a esta liberdade, podíamos confiar nos partidos mais à esquerda do parlamento para denunciar algumas das negociatas entre o poder económico e o poder político. Era um contributo inestimável que davam à democracia portuguesa. Não é por acaso que Mariana Mortágua ascendeu ao estrelato político com a sua actuação em algumas Comissões de Inquérito. A forma como lidou com Zeinal Bava e Ricardo Salgado são evidências empíricas da liberdade de que falo. As críticas que estes partidos faziam às parcerias público-privadas (PPP), muitas vezes com rentabilidades garantidas de 15% ou mais, eram denúncias importantes.
A renegociação das PPP foi uma área onde o governo anterior falhou, ficando muito aquém do que era necessário. Os partidos de esquerda, muitas vezes com razão, argumentaram que as poupanças conseguidas não eram verdadeiras poupanças, mas sim uma contrapartida pela redução dos serviços que o parceiro privado prestava. O actual ministro do Planeamento e Infra-Estruturas, Pedro Marques, já nos veio mesmo dizer que as poupanças anunciadas com as renegociações das PPP eram três quartos de propaganda e um quarto real. Estranhamente, quer o PCP quer o BE, antes tão vocais a exigir a Passos Coelho que cortasse nas rendas das PPP, pouco têm reivindicado neste domínio desde que apoiam o partido do poder. Sabendo nós que parte das PPP representa um dos maiores escândalos de captura do interesse público, só podemos ficar assustados quando vemos estes partidos a afrouxar as suas exigências.
A Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BANIF inaugurou ontem os seus trabalhos. A Comissão é presidida por um dos mais prestigiados deputados comunistas, António Filipe. É de esperar que os partidos do habitual arco da governação estejam numa posição defensiva. O PSD e o CDS pelo papel que tiveram no adiar da resolução do problema; o PS pelo papel na sua resolução.
É no PCP e no BE que deposito as minhas esperanças em que se venha a perceber o que se passou. Nós sabemos quem mais lucrou com o facto de o BANIF não ter chegado a 2016. Foram os detentores de depósitos superiores a 100.000€ e de obrigações seniores. Sabemos isso porque se o BANIF tivesse sobrevivido até 2016 as novas regras imporiam perdas quer a uns quer a outros, aliviando um pouco os contribuintes. A historieta de que se procurou salvar as poupanças dos coitados dos emigrantes aforradores é isso mesmo, uma historieta. Não são eles que têm poder suficiente para plantar notícias na TVI, nem influência política suficiente para garantir que não se toca nestes activos. Se conseguirmos perceber quem de facto beneficiou com a precipitação da resolução então teremos dado um importante passo para deslindar o mistério.
Depois de um mau começo, com o PCP e o BE, incompreensivelmente, a inviabilizarem uma auditoria externa ao caso BANIF, a Comissão Parlamentar de Inquérito é a derradeira oportunidade para o PCP e o BE mostrarem que a nossa democracia nada perdeu com a sua chegada ao poder.