A Humanidade já esteve pelo menos uma vez no limiar de uma guerra mundial, durante a Crise das Caraíbas em 1962, mas foi possível travar o pior porque Nikita Khrutschov, líder soviético de então, e John Kennedy, Presidente dos Estados Unidos, compreenderam que, se um conflito nuclear começasse, ninguém ficaria para contar a história. Actualmente o perigo volta a reinar, mas a um nível muito maior devido, nomeadamente, às características dos líderes dos actuais participantes do confronto: Estados Unidos e Coreia do Norte.
É verdade que Nikita Khruschtov era um dirigente comunista bastante excêntrico e tomava atitudes inesperadas. Todos se lembram quando ele pegou num sapato e começou a bater na tribuna da Assembleia Geral da ONU ou pronunciou ameaças tão grandes que ainda hoje os tradutores têm dificuldade em as traduzir do russo para outra língua. Ele prometeu mostrar aos norte-americanos a “kuskinaia mat”. Esta expressão foi traduzida à letra como “a mãe de Kuzma” [nome masculino russo], mas talvez ele se referisse à bomba atómica.
As suas excentricidades começaram a ser tão grandes que os seus camaradas o mandaram para a reforma em 1964.
Isto pode levar a pensar que o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, não passa também de um excêntrico que não vai além das palavras, como não foram os seus avô e pai. Mas não se pode excluir que se trata de um jovem paranoico que encontra na guerra a única forma de se afirmar como líder absoluto e capaz de defrontar qualquer adversário, mesmo um incomparavelmente mais poderoso.
Preocupante também é o facto de, dentro das estruturas do poder norte-coreano, não se vislumbrarem dirigentes capazes de afastarem Kim Jong-un do poder, como então aconteceu na URSS.
Para tornar ainda mais difícil a situação, os Estados Unidos são actualmente governados por um Presidente que pouco tem a ver com John Kennedy. Donald Trump é um dirigente completamente imprevisível.
Ao comentar a situação em torno da Coreia, Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, afirmou: “considero que quando se chega a um ponto próximo da pancadaria, o mais forte e inteligente talvez deva ser o primeiro a recuar um passo em relação à linha vermelha”.
Trata-se indiscutivelmente de um sábio conselho, principalmente se tivermos em conta que existe uma fronteira comum entre a Coreia do Norte e a Rússia e um conflito entre Pyongyang e Washington pode ter consequências funestas para o Extremo Oriente e a Sibéria russas. O sistema de defesa anti-míssil e a aviação russos já estão prontos para interceptar algum míssil norte-coreano que saia da trajectória, mas serão insuficientes para travar ondas de radiação ou de refugiados caso os mísseis partam dos seus silos.
Mas resta saber até que ponto é que Donald Trump terá paciência para aguentar não só a retórica bélica, mas também os novos testes de mísseis e bombas realizados por Kim Jong-un.
Esperemos que nem Trump, nem Kim Jong-un queiram pôr fim à boa vida que levam e que o aumento da retórica bélica seja apenas o pronúncio da realização de conversações com vista a travar a escalada do conflito e à busca de soluções diplomáticas para este grave problema.
PS. Lavrov esqueceu-se de recordar, pois não convém nada ao Kremlin, que o princípio por ele citado não se aplica nas relações entre a Rússia e os países vizinhos. A Geórgia e a Ucrânia que o digam.