Confesso que o primeiro título que me ocorreu para esta crónica era bem mais polémico: a virilidade das mulheres políticas europeias. Mas, talvez por modéstia, ou alguma cobardia disfarçada de prudência – como é sabido, as tolerantes apóstolas do feminismo são do mais intolerante que há – optei por um título menos provocador, mas sem abdicar desta interpelativa introdução.

Como é sabido, teve lugar, de 13 a 15 deste mês, em Borgo Egnazia, na região italiana de Puglia, a cimeira do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá), que contou com a presença do Papa Francisco, por especial convite da anfitriã, a primeira-ministra italiana. Por exigência de Giorgia Meloni, na declaração final da cimeira não consta nenhuma referência a um alegado ‘direito à interrupção voluntária da gravidez’, ou aos ‘direitos LGBT’. A delegação italiana deixou claro que a referência a um aberrante ‘direito ao aborto’ seria o cruzar de uma inadmissível ‘linha vermelha’.

Não satisfeita com esta lança em África, Giorgia Meloni, diante do Papa Francisco e dos líderes do G7, teve ainda o bendito atrevimento de fazer um discurso politicamente muito incorrecto, mas de uma notável coragem política e moral:

“A história do povo italiano é uma história de grandes feitos, de criatividade, de empresas que impressionaram o mundo. Esta é a Itália que nós queremos apoiar, que nós queremos voltar a ver e a viver, da qual queremos voltar a ser protagonistas. 

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“Queremos devolver aos italianos uma nação na qual ter filhos não esteja fora de moda, ser mãe não seja uma opção privada, mas um valor reconhecido socialmente. Uma nação em que todos, homens e mulheres, redescubram a beleza da geração, de acolher e alimentar um filho. Uma nação em que ter um filho é uma coisa estupenda, que não faz abdicar de nada, que não te impede de fazer coisa nenhuma e que te dá muitíssimo. Queremos uma nação em que já não seja escandaloso dizer, quaisquer que sejam as livres escolhas e inclinações de cada qual, que a maternidade não está à venda, as barrigas não se alugam, nem as crianças podem ser objecto de comércio, porque os filhos não são produtos que se expõem nas prateleiras, como no supermercado, e que se podem devolver se não corresponderem às expectativas. Queremos recomeçar a partir do respeito pela dignidade, pela liberdade e pela sacralidade de cada ser humano, porque cada um de nós é portador de um código genético único e irrepetível que, goste-se ou não, é sagrado. 

“Vencer o inverno demográfico é, como dizia o Papa Francisco, lutar contra o que é contra a nossa família, a nossa pátria, o nosso futuro. Santidade, nós amamos as nossas famílias, amamos o nosso país, acreditamos no nosso futuro. E cumpriremos a nossa missão até ao fim. Muito obrigado!”

Foi de sobrolho carregado que o Papa Francisco ouviu a destemida intervenção de Giorgia Meloni que, não obstante a coragem de que deu prova, em nenhum momento faltou ao respeito devido ao Santo Padre, que teve a delicadeza de convidar, nomear e até citar, a propósito do inverno demográfico.

Enquanto nas sacristias se discute o papel da mulher na Igreja, Meloni deu a resposta: a promoção da mulher na Igreja não passa pela sua clericalização, nomeadamente por via do diaconado, que as converteria numa espécie de ‘padres’ de segunda. O seu melhor contributo para o bem da Igreja é a coerência da sua vivência cristã: que sejam mulheres decididas, corajosas, capazes de fazer a diferença em todos os meios sociais e profissionais. São precisas muitas mulheres cristãs, que não tenham medo de se afirmarem como tal nas autarquias e nas escolas, nos governos das nações e nos hospitais, nos parlamentos e nas universidades, nas organizações políticas e sindicais, nas academias científicas, nas forças armadas e nos desportos, na comunicação social e nas empresas, nas famílias e na cultura, sem mimetismos, nem vitimismos. Meloni não é primeira-ministra por ser mulher, nem apesar de o ser, mas pelo seu mérito pessoal, pelo seu carisma, que decorre não do seu sexo, mas da sua personalidade e valores.

Não é de agora a presença da mulher na política, domínio onde a sua actuação deixou nomes que ainda hoje causam espanto. Pense-se, por exemplo, em Catarina da Rússia, em Joana d’Arc, nas nossas Rainhas Santa Isabel e D. Leonor, em Deuladeu Martins, em D. Filipa de Vilhena, etc. Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, foi também um exemplo de extraordinária liderança política no feminino, patente na coragem com que derrotou o socialismo e venceu a guerra das Malvinas, ou Falkland.

Confesso que aprecio a ‘varonil’ coragem política de Giorgia Meloni, uma mulher que não sofre daquele complexo de inferioridade que é tão característico de uma certa direita, que tem tanto medo de ser fiel aos seus princípios que, na realidade, continuamente os atraiçoa.

Na recente campanha eleitoral para o parlamento europeu, foi doloroso ver o contorcionismo ideológico dos candidatos da direita moderada e radical diante da questão do aborto. É lamentável que os políticos, que se supunha defensores dos valores cristãos, tenham vergonha de assumirem a defesa da vida, fazendo hipócritas juras de que a lei do aborto é excelente e que não é para mudar. Como é possível que sejam negacionistas em relação à evidência científica de que a vida humana começa no momento da concepção?! São os mesmos políticos volúveis que se deixam fotografar à saída da Missa, mas depois se apressam a dizer que a eutanásia veio para ficar e que, a bem da paz social, não querem questionar as matérias fracturantes! Mas, então, o voto não era para mudar?! E como vamos mudar se as coisas que verdadeiramente interessam ficam todas na mesma?!

Precisamos de políticos que, como Giorgia Meloni, não tenham vergonha de defender a vida e a família natural. Fiéis que não tenham medo de lutar contra a aberração criminosa do aborto, da eutanásia e da ideologia de género.

Meloni talvez não seja nenhuma santa – é, até, mãe solteira – mas, pelo menos, não é uma política hipócrita, como aqueles que se dizem cristãos e, depois, são a favor do aborto, legalizam a eutanásia e implementam a ideologia de género. Destes políticos tíbios abomina o povo, que neles já não se revê, e, o que é mais grave, o próprio Deus: “Conheço as tuas obras, que não és frio nem quente. Oxalá foras frio, ou quente. Mas, porque és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te da minha boca” (Ap 3, 15-16).