1 A invasão da Ucrânia passou um rolo compressor pela política, o espaço público pulverizou tudo o que não fosse o som da guerra, a atenção confinou-se nos écrans que nos trazem a tragédia a casa e em directo. Deles e sem trégua, irradia simultânea e permanentemente o mal e o bem duvidoso prodígio que nos distingue como humanos.

A política interna seguiu nos bastidores, sem que dela tenhamos tido um assomo sequer. Que terá ocorrido nos estados maiores dos partidos durante o ultimo mês? Que disseram ou pensaram os seus líderes que mal os ouvimos? Que governo terá composto António Costa? O que já tinha em mente ou as novas circunstâncias ditaram alterações ou até uma mudança de natureza na escolha de alguns nomes e pastas? Sabemos que o governo será “ágil”, adjectivo que por si só não inspira nem mobiliza mas não se sabe. À hora a que escrevo – terça à tarde –, para além das ”adivinhas” do costume supostamente bem informadas, ou de intencionais fugas de informação, saber, não se sabe. Nem disto, nem de mais nada, houve um apagão da política portuguesa.

Quando ela se destapar que encontraremos por de trás da obscuridade silenciosa deste último mês?

2 Carlos Moedas fez bem em afastar de vez a “eventualidade” (?) de se candidatar ao PSD na colheita 2020. Já não era sem tempo: os telefonemas sucediam-se, as pressões choviam, a insistência não desarmava. Havia até quem invocasse (que vergonha) que ele poderia continuar na Câmara, era uma questão de “acumular”. O equivoco é fatal e eloquente. Caso tivéssemos dúvidas do que a “casa PSD” anda a gastar em desnorteio e desqualificação política, ficávamos entendidos: os “pressionantes” de Moedas (eram muitos e não de somenos) na aturdida pesca à linha de quem os salve de uma derrocada, ignoraram um mandamento político sagrado: os deveres de um eleito, para com os seus eleitores. O seu compromisso perante eles. Aliás ter-se-ia preferido ouvir Moedas falar de compromisso em vez de “missão”. É de compromisso que se trata, este é anterior à missão. Ela é que deriva dele e não o contrário. Além de que a palavra missão – mas isto já sou eu a falar – lembra de imediato sacrifício, penas, esforço, peso. O poder de convocatória de Lisboa é maior que isso. Só um compromisso estará a altura dele.

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3 Voltando ao PSD: por alguma razão a nenhum observador razoável escapará a actual disponibilidade/capacidade do PSD para o pior. No caso, para se esquecer do que foi, significou, fez, conseguiu. Caindo no buraco onde se meteu atrás de um líder que nunca o deveria ter sido mas que enquanto o foi levou o partido para uma morada política errada; caindo na pasmosa complacência com que aceita que seja o ainda líder mas não futuro líder a escolher, decidir, dirigir, convidar, em nome de um partido onde não permanecerá (ou permanecerá e isto é um jogo?); caindo na passividade sem temer que o ainda dirigente-mor comprometa o PSD – a curto, médio e longo prazo – com rumos, orientações, ou quem sabe se até acordos partidários que só por um acaso improvável coincidirão com o que faria um futuro líder. Seja ele qual for, aliás, falo de princípios e não de nomes; caindo na letárgica terra de ninguém para onde a actualidade da invasão da Ucrânia o atirou mas de onde lhe competia ter sabido – e querido! – começar a sair e não saiu.

Não me lembro de um partido político, no caso o maior da oposição, em estado de entorpecimento tanto tempo. Algum jovem de vinte, trinta anos virará hoje a cabeça para olhar para o PSD?

4 Portugal deve ser o único pais da Europa – do mundo? – onde, por vontade própria da direita portuguesa, a vida partidária começa ao centro. Não se duvide de resto que uma das piores e nunca resolvidas heranças do 25 Abril é que vai para quarenta e tal anos que uma parte considerável do país continua com vergonha de pronunciar a palavra direita. Com honrosas excepções, de uma forma geral assume mal a pertença ou afronta titubeantemente a escolha. Uma relação ao viés, disfarçada pela (salvífica?) palavra centro não augura nada de bom para a direita: deturpa-a quando não a falsifica.

Com tudo isto, naturalmente, o centro esgotou, como na ópera. É caso ate para perguntar quem mais, na política e de entre os nossos políticos, terá de ser avisado da situação de lotação esgotada. Não cabe lá um alfinete, não há nem um bilhete. Sendo aparentemente incompreensível tal atração por este lugar político sem propósito nem utilidade, a escolha mereceria talvez um estudo comportamental. Depois de Rui Rio ter dado cabo de si e quase do PSD com a (sua) irredutibilidade centrista – Nuno Melo, candidato a liderança do CDS, apresenta-se como de “centro direita”.

Seja. Mas tal como a Torre de Pisa surge-nos – ou é impressão minha? – mais inclinado para um dos lados. O do centro, justamente. É certo que os portistas que o incentivaram e ele representa não querem outra coisa.

E o eleitorado quer? E os militantes, os simpatizantes, os resistentes, quem sabe, até ex-militantes e ex-simpatizantes com o desejo de voltar, sentir-se-ão representados? Nuno Melo cuja empreitada é reconhecidamente ciclópica, tem de se tornar plausível num proveitoso futuro político: para o CDS, para direita, para o país, para ele próprio. Será capaz?

Será capaz de uma assinatura em nome próprio? De agir por si e não em nome de um exclusivo grupo de “portistas sem Portas” em grande parte responsável pelo estado das coisas políticas e financeiras no Largo do Caldas? Não haverá mais (boa ) gente e (outra) vida para alem deles?

Será enfim capaz de reerguer um partido fundador da democracia e que apesar de hoje moribundo se mantém absolutamente indispensável no tabuleiro partidário, no hemiciclo de S. Bento, no governo do país e na política portuguesa?

Oxalá seja.