A ver se percebo: em 2013 houve uma pessoa na Caixa Geral de Depósitos, um banco que gere o seu dinheiro de forma duvidosa, que olhou para os movimentos da conta de José Sócrates e pensou: “Eh, lá! Isto é muito suspeito!” Ou seja, houve um perspicaz funcionário da CGD que, de todas as operações que lhe passaram à frente, resolveu desconfiar das que envolviam Sócrates. É mais ou menos o mesmo que dizer “cheira a esturro” no meio de um incêndio. Só mesmo alguém com um tipo muito específico de argúcia é que consegue a proeza de encontrar uma palha num palheiro. Aposto que almoça sopa de cocó todos os dias, mas aborrece-se com o cozinheiro quando está insonsa.

É óbvio que, por uma vez, Sócrates tem razão em sentir-se perseguido. Suspeitar que as transferências avultadas que Sócrates recebia eram uma forma encapotada e ilícita de lhe passar dinheiro não era razão para o denunciar à PJ. Quando muito, era razão para o chamar à CGD e perguntar: “Sr. Eng., segundo a nossa análise, tem o perfil indicado para aceder a um empréstimo milionário, sem necessidade de prestar garantia, nem obrigatoriedade de o liquidar. Quantos milhões deseja?”

Por outro lado, pode ter sido karma. É capaz que se tenha tratado de uma desforra: Sócrates meteu-se na vida da Caixa, introduzindo lá Armando Vara, a Caixa vingou-se e meteu-se na vida de Sócrates, introduzindo lá o MP. Se foi isso, percebo a Caixa. Tinha motivos válidos para se sentir ofendida. A entrada de Armando Vara na Administração da CGD foi como a proverbial colocação da raposa a tomar conta do galinheiro. Tudo bem que já eram galinhas kamikaze, que se ofereciam à morte com volúpia, mas a chegada do raposão transmontano acelerou o processo. Com Vara havia prodigalidade em esteróides, como se vê na recém divulgada lista de devedores. A revelação de Joana Amaral Dias, não sendo novidade, é impressionante – como tudo o que Joana Amaral Dias revela, aliás. Perceber a facilidade com que aquela gente atirava milhões de euros a péssimos negócios, faz-me lamentar não ter aberto um stand de carros em segunda mão em frente à sede da Caixa. Uma ideia tão lucrativa que de certeza que a CGD não a financiava.

A escolha é vasta e variada, mas o mais emblemático dos créditos ruinosos foi o atribuído a Joe Berardo, para comprar acções do BCP e influenciar a escolha da nova direcção do banco. Que, por acaso, era a do próprio Vara, numa coincidência daquelas que só existem nos filmes mal escritos. Ou nos crimes bem planeados. Entretanto, o BCP começou a cair a pique (por razões a que, estou certo, foi alheia a presença de um banqueiro genial como Vara) e as acções de Berardo desvalorizaram-se. Actualmente, a preços de mercado, o ranking está assim: Renova, Colhogar, marca branca do Continente, acções do BCP. As acções do BCP, entregues como garantia à Caixa, são um papel higiénico tão rasca que, apesar de nunca o ter usado, ainda hoje sinto o rabo arranhado.

Daí ser curioso assistir às discussões parlamentares sobre a CGD. O PSD e o CDS culpam o PS, que, por sua vez, culpa o PSD e o CDS. O BE e o PCP culpam todos, mas sem grande convicção, não vão estas moscambilhas servir de desculpa para privatizar a Caixa. Dos partidos com representação parlamentar, só o PAN não tem nada a dizer sobre o caso. O que é estranho, uma vez que, até agora, os únicos prejudicados pela gestão da Caixa foram os ursos dos contribuintes.

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