Aquando da declaração da pandemia em março de 2020, uma das grandes preocupações da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi justamente a forma desigual como as diversões regiões no mundo iriam combater este desafio. Se na Europa e América do Norte a situação estaria melhor acautelada – atendendo à melhor organização dos seus estados, assente em economias e sistemas de saúde mais robustos – os olhos da OMS estavam focados nas restantes zonas do globo, em particular África.

1. O exemplo de Cabo Verde

Neste contexto, Cabo Verde tem sido, mais uma vez, um excelente exemplo pela forma, não apenas como reagiu à pandemia, mas também como já se prepara para o pós pandemia.

O berço da morna de Cesária Évora e Tito Paris é um país insular, composto por dez ilhas (uma não habitada) localizado na região central do oceânico atlântico a cerca de 570 quilómetros da África Ocidental. Tido como uma das Democracias mais evoluídas em África – segundo o último estudo do The Economist – ocupa a posição 30, sendo o segundo país lusófono melhor cotado no ranking, logo após Portugal.

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Com uma população de pouco mais de 500 mil habitantes, maioritariamente jovem, o turismo – fortemente afetado pela situação pandémica, tem um papel fundamental na economia do país (representando cerca do 25% do PIB), empregando mais de 27 mil postos de trabalho diretos.

2. Importância da diplomacia externa cabo-verdiana

Por força da sua história – que se caracteriza como país de emigrantes, Cabo Verde tem a particularidade de ter maior população na diáspora do que nas ilhas. Diáspora que tem tido um papel de extrema relevância na disponibilização de bens e donativos junto das suas comunidades de origem. Esta condição ímpar no mundo permite-lhe um quadro de relações bilaterais e multilaterais que muito tem contribuído para o desenvolvimento do país, nomeadamente na relação com os Estados Unidos, Brasil, França, Holanda, China, mas em particular com Portugal, onde reside a maior comunidade da Cabo-verdianidade no mundo.

No caso português, atente-se à influência de Lisboa junto de Bruxelas, no quadro da União Europeia, que permitiu a disponibilização de equipamentos de proteção individual e de reagentes para os testes, concretizado numa série de vários voos sanitários entre Praia e Lisboa desde o início da pandemia.

Por outro lado, de salutar o contributo de diversos municípios e instituições portuguesas junto do Governo de Cabo Verde. A título de exemplo, o município de Oeiras que, em parceira com a Fundação Aga Khan, disponibilizou 2 ventiladores, 10 mil máscaras cirúrgicas, 10 mil pares de luvas e 2 mil máscaras reutilizáveis no âmbito de uma ação de cooperação entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

Numa relação ainda mais estreita com as autoridades de saúde portuguesas, evidenciar a colaboração com o Instituto Ricardo Jorge que se concretizou na montagem de um centro PCR, para a realização de testes, monitorizados por especialistas cabo-verdianos no terreno.

3. Da boa governança interna

COVID 19 foi um enorme teste ao Governo de Ulisses Correia e Silva, anterior presidente da capital Praia e actual Primeiro-ministro do Governo de Cabo Verde.

Se o considerável sucesso de Cabo Verde no combate à pandemia muito se deve ao factor da sua condição bi/multilateral no mundo tal não seria possível sem um governo responsável, dotado de estratégia, assente numa eficiente organização político/administrativa local, não só na distribuição de bens mas também na determinação de medidas concretas, com vista ao controle da pandemia e apoio à população e empresas:

Assim, logo que foi decretado o estado de Pandemia as autoridades políticas Cabo-verdianas decretaram o Estado de Emergência, com o fecho de fronteiras, limitação de circulação e ajuntamento de pessoas, bem como a obrigação do uso de máscaras. Com o espaço aéreo fechado não se suspendeu o sistema de transporte inter-ilhas, que foi crucial para a logística.

Foi rigorosa a distribuição e afetação dos bens e serviços adquiridos no exterior junto do junto das populações, por parte da Administração Central, em colaboração com as autarquias, que se caracterizam pelas regras muito claras na distribuição dos bens e produtos disponibilizados. Por outro lado, todas as ilhas habitadas estão munidas de centros de testes, tendo sido realizado desde março milhares de testes (chegando ao pico de 10 000 testes PCR/semana).

Ao nível da informação, foi efetuado um briefing diário da Direção Geral de Saúde com os dados epidemiológicos, acompanhado de ações de sensibilização e recomendações das autoridades sanitárias.

Por último, mas não menos importante, um pacote de medidas governativas junto das famílias e das empresas, com vista a apoiar social e economicamente durante o período de confinamento;

§  Apoio direto às famílias, na disponibilização de cestas básicas e rendimento mínimo às famílias;

§  A aprovação da Ley Off por parte do governo que garantiu aos trabalhadores inscritos no Instituto Nacional da Previdência Social (entidade muito robusta), o pagamento de 70% do salário;

§  Moratórias concedidas aos cidadãos relativamente a prestações bancárias e despesa de consumo doméstico (pagamento de agua, luz, etc);

§  Linhas de Microcrédito – O Banco Central disponibilizou linhas de créditos para as pequenas e microempresas que também receberam apoio de diversos parceiros a nível bilateral e multilateral.

4. O pós-pandemia.

Neste momento as autoridades cabo-verdianas dão a situação como controlada.

Porém, para além de manter as medidas de contenção, encontra-se em planeamento a fase de vacinação, estando o Governo local atento ao evoluir da situação de países parceiros com vista à retoma da actividade turística.

Para além dos grupos prioritários (definidos no plano de vacinação) os agentes de turismo têm prioridade, por forma a fomentar a segurança junto dos turistas com certificados de Segurança Sanitária – junto dos principais agentes de turismo.

Cabo Verde tem sido um excelente exemplo de que será sempre pela via da cooperação entre os povos que poderemos ambicionar um mundo mais equilibrado e próspero.

E mesmo que a incerteza e a indefinição se prolonguem  no tempo desta pandemia, a resiliência que caracteriza a história do povo cabo-verdiano é porto seguro de que ali sim, ficará tudo bem, como no atesta este magnifico poema cabo-verdiano de Ovídio Martins:

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!
A nosso favor não houve campanhas de solidariedade
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternamente para nós
Somos os flagelados do Vento-Leste!
O mar transmitiu-nos a sua perseverança
Aprendemos com o vento o bailar na desgraça
As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos
Somos os flagelados do Vento-Leste!
Morremos e ressuscitamos todos os anos
para desespero dos que nos impedem a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
num desafio aos deuses e aos homens
E as estiagens já não nos metem medo
porque descobrimos a origem das coisas
(quando pudermos!…)
Somos os flagelados do Vento-Leste!
Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos
E as vozes solidárias que temos sempre escutado
São apenas as vozes do mar que nos salgou o sangue
as vozes do vento que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
e as vozes das nossas montanhas estranha e silenciosamente musicais
Nós somos os flagelados do Vento-Leste!