Apesar de Rui Rio afirmar que vai ser oposição à frente de esquerda que governa Portugal, a forma como essa oposição se vai materializar gera expectativas e requer ponderação. Respeitar os resultados eleitorais é digno, e é, sem réstia de dúvida, um comportamento distinto daquele que foi recentemente praticado. Mas deve esse respeito significar validação? No caso de António Costa ganhar as próximas eleições legislativas sem maioria absoluta e sem a capacidade de reproduzir a geringonça, que fará o PSD de Rui Rio? Irá sustentar um governo socialista no Parlamento? Ou irá recuperar o bloco central?

Este cenário é preocupante. Por várias razões. Em primeiro lugar porque o Bloco Central está na origem dos principais fios que tecem a omnipresente teia de interesses e de clientelas do Estado. Esperar que uma reedição dessa solução sirva para alterar o actual status quo parece-me ser uma fantasia. Em segundo lugar, decidindo Rui Rio apoiar um governo minoritário de António Costa, que acontecerá à separação ideológica entre sociais-democratas e socialistas? O PS nunca esteve tanto à esquerda como agora. Em terceiro lugar, pode um homem que defende rigor e controlo das contas públicas apoiar um governo gastador? Podemos dizer que as negociações seriam duras. E sê-lo-iam. Mas, depois Costa faria o que fez aos restantes parceiros da geringonça, dizendo que sim e fazendo que não. Em quarto lugar, Rui Rio não pode esperar que António Costa retribua comportamentos.

Perante resultados idênticos aos de 2015, António Costa voltará a escolher o poder e repetirá, com mais ou menos alterações, a geringonça. Pouco lhe importará se Passos Coelho já não é o líder do PSD. Finalmente, porque vivemos tempos em que os valores adquirem uma importância acrescida, vender a alma ao diabo será desastroso. Se o propósito estratégico é apenas substituir os parceiros de governação do PS, porque razão devem os portugueses votar no PSD?

Por sua vez, num cenário de vitória do PSD, pode Rui Rio governar com o PS? Creio que não. A nova geração de dirigentes socialistas gosta da aproximação à esquerda. João Galamba não é o único. Pedro Nuno Santos é outro exemplo. Ambos constarão nas listas socialistas às próximas Legislativas. Necessitando dos socialistas para governar, Rio corre o risco de perder toda a sua credibilidade. Não me parece que um acordo à esquerda seja a solução para Rio.

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Note-se que esta possibilidade já está a ser combatida internamente no PS. Basta ler a moção sectorial apresentada por Pedro Nuno Santos ao 22.º Congresso Socialista  e os seus dois últimos artigos de opinião – Os desafios da social-democracia  e A social-democracia para além da “terceira via”. Existem sectores no PS que não querem o Bloco Central. No caso de António Costa voltar a perder as eleições legislativas, a probabilidade de ser manter como primeiro-ministro é maior se reeditar a geringonça. A tal nova geração de dirigentes socialistas quer ser de esquerda. O socialismo está mesmo a sair da gaveta!

Ora, este reemergir da gaveta tem mais consequências. Há uma franja flutuante de votantes da esquerda que está a ser disputada pelo PS e pelo BE desde que Francisco Louçã apoiou a candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República. O BE está longe de ter o seu eleitorado consolidado. Depois duma ascensão meteórica em que atingiu o zénite eleitoral nas legislativas de 2009 (558.062 votos), o BE viu o sentido de voto inverter-se significativamente nas eleições de 2011, tendo perdido 269.089 votos.

O resultado das legislativas de 2015 foi mais animador para o BE. Porém, trata-se de uma vitória de Pirro. Se PSD e CDS tivessem concorrido separadamente a distribuição de mandatos seria outra. Para além disso, se, efectivamente, o BE foi capaz de atrair votos do eleitorado social-democrata tal não significa que seja capaz de manter estes votantes nas próximas legislativas. Logo, o resultado eleitoral do BE resulta mais duma conjugação de circunstâncias do que do mérito da sua estratégia. E o principal estratega do BE, Francisco Louçã, tem perfeita noção disto.

Como ultrapassar estas fragilidades é a principal preocupação dos dirigentes bloquistas. Mas é aqui que “a porca torce o rabo”. Para além do PS querer segurar os seus votantes mais à esquerda e ter novos rostos que agradam a esses votantes, o efeito Catarina Martins e irmãs Mortágua já não tem o valor que tinha em 2015. O BE está entre a espada e a parede. Não há dúvida que são os blocos de interesses particulares que disputam Portugal entre si. Mas uma alteração da conjuntura internacional pode forçar opções. Nomeadamente, o indesejado Bloco Central. Contudo, independentemente da sua tipologia, estes blocos visam sempre os interesses partidários em primeiro lugar. E isso não irá mudar.

P.S. – António Costa acabou de ser reeleito com 96% dos votos. O nível da pluralidade interna socialista é assombroso.

Vicente Ferreira da Silva é politólogo, professor convidado EEG/UMinho