Em Portugal a desigualdade salarial entre homens e mulheres continua a ser expressiva, apesar de elas terem, na maioria das vezes, mais qualificações académicas. Durante a pandemia COVID 19, Portugal juntou-se à Letónia e à Finlândia e, conjuntamente, são os únicos países europeus onde, entre 2019 e 2020, as desigualdades salariais se agravaram (a disparidade face aos homens alcançou 14,1%), com uma mulher a ter de trabalhar 51 dias para igualar o salário de um homem. Estas são as conclusões que se retiram dos dados recolhidos pela Pordata, da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Na verdade, os dados sobre vida, morte, educação e trabalho mostram avanços e retrocessos: Portugal regista mais nascimentos de homens do que de mulheres, mas como a mortalidade dos homens é superior, a partir do grupo etário 25-29 elas começam a predominar, acabando, em média, a viver mais seis anos do que os homens. Se falarmos de esperança média de vida, as mulheres vivem 86,5 anos e os homens 82,8 anos.

As mulheres do grupo etário 18-24 registam taxas de abandono escolar inferiores às dos homens; há mais mulheres matriculadas no ensino superior do que homens; e são elas que mais se diplomam, o que evidencia a aposta na formação como ponto de partida para a sua emancipação.

Há mais mulheres a trabalhar em Portugal (72%) que na média europeia (66,8%); são poucas as mulheres a trabalhar em regime de tempo parcial (12%) quando se compara com a média europeia (30%); há mais mulheres do que homens em profissões tradicionalmente afetas ao género masculinas, como seja o caso de médicas (56,3%), advogadas (55%) e magistradas (61,9%) e na Academia, na área da investigação, já vão ditando cartas (42%).

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Assim, seja qual for o nível de qualificação de uma mulher, se trabalhar por conta de outrem, a média do seu salário base vai ser sempre inferior à dos homens. E é no topo da hierarquia, nos quadros superiores, que se encontram as maiores diferenças (24,8%). Se olharmos para os dados da Pordata e analisarmos a evolução da diferença salarial dos quadros superiores (homens versus mulheres) entre 1985, que era de 23,2%, e os dias de hoje, concluímos que ela foi tendencialmente pior que o que temos, com exceção dos anos de 1992 a 1994, que registaram respetivamente 23%, 22,4%, e 20%, as taxas mais baixas de sempre. Mesmo assim é uma diferença salarial de 20%, um quinto do salário.

Percebemos, pois, que as maiores discrepâncias se encontram nos níveis de qualificação superior mais elevados, onde estão os quadros superiores, os profissionais altamente qualificados, os quadros médios, ou seja, as mulheres que apostaram na educação, no avanço das suas qualificações, e não no abandono escolar. E é neste momento que percebemos que estamos diante um problema cultural gravíssimo que não permitiu que estas diferenças se esbatessem em quase 40 anos.

A Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, criou um conjunto de novas medidas destinadas a promover uma maior igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor. Esta Lei veio estabelecer maior rigor na recolha e divulgação da informação, reforçou o papel da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) e passou a exigir às empresas uma política remuneratória transparente. Neste sentido a lei constituiu um passo importante no objetivo de promover um combate eficaz às desigualdades remuneratórias entre mulheres e homens, com vista a efetivar o princípio do salário igual para trabalho igual ou de igual valor. Este foi um importante passo, mas muito há ainda a fazer em prol da igualdade salarial, sobretudo se pensarmos que, em pleno século XXI, ainda se continua a associar às mulheres, erradamente, a exclusividade das responsabilidades decorrentes da maternidade.

Ora, de pouco vale criar um conjunto de obrigações para as Empresas se depois o Estado não cruza fontes, não questiona as entidades empregadores, e se escuda nas denúncias anónimas para resolver um problema de fundo da sociedade. Eu quero acreditar, e isso seria o desejável, que as mulheres das novas gerações não vão continuar a ser vítimas do sistema discriminatório instituído. E que juntos, todos, vamos ajudar a construir uma sociedade mais justa, paritária e desenvolvida.

Ai Portugal, já é tempo de trabalho igual salário igual.