Na apresentação do livro de Fernando Teixeira dos Santos, Mudam-se os tempos, mantêm-se os desafios, Daniel Bessa falou de um tipo de negacionistas especial, os que negam as leis da economia. Foi essa negação e esse desprezo pelo que diz a maioria dos economistas que nos levou ao resgate financeiro em 2011. Um negacionismo que, em Portugal, tem um vasto número de simpatizantes por causa da iliteracia económica e financeira dos portugueses.
No conjunto dos países da Zona Euro, Portugal é o campeão da iliteracia financeira, conforme foi identificado pelo Banco Central Europeu no seu Boletim Económico publicado em Janeiro deste ano e aqui noticiado pelo Eco. Somos os que menos conhecimentos temos de finanças. As primeiras posições são ocupadas pela Alemanha, Holanda e Finlândia – países que nos habituámos a ver criticados em Portugal sempre que nos recusam almoços grátis.
Quando entramos em campanha eleitoral, como agora acontece, torna-se dramaticamente visível o uso e abuso que os protagonistas partidários fazem da falta de formação económica e financeira dos portugueses. E hoje em dia quase se tornou um crime perguntar quanto custa – um pouco menos do que no passado recente, uma vez que António Costa já introduziu o tema, por exemplo, no debate com Catarina Martins a propósito da eliminação do factor de sustentabilidade.
Vejamos alguns exemplos.
O PAN quer reduzir o IRS, o IRC – com excepção das empresas poluentes –, algumas taxas de IVA, aumentar o salário mínimo, reduzir o horário de trabalho no sector privado para as 35 horas e dar mais férias, ao mesmo tempo que se compromete com o saldo orçamental zero. Tudo isto, dito assim, parece uma impossibilidade porque ficamos sem saber como se conciliam os objectivos de redução de impostos com o equilíbrio orçamental e os mesmos serviços públicos.
O Chega é ainda mais extraordinário na quadratura do círculo. Propõe uma pensão de reforma mínima igual ao salário mínimo, promete a descida do IRS e do IRC, benefícios fiscais para os jovens e uma redução da despesa pública proporcionalmente superior à diminuição dos impostos, garantindo que os gastos públicos “nunca serão superiores às receitas, salvo em circunstâncias excecionais”. Quanto custa uma pensão mínima garantida de 705 euros não se sabe, nem como é que isso condiciona o excedente orçamental que promete.
O Livre tem como uma das suas bandeiras o rendimento básico garantido, tendo-se percebido nos debates que a ideia é criar um grupo para o testar, na linha do que outros países já fizeram, uns com mais sucesso do que outros, com alguns a abandonarem a ideia como se pode ver neste trabalho do Vox . O problema é que, num País como Portugal, pode não existir dinheiro nem para esse grupo de teste. E com o sucesso eleitoral que as criticas ao Rendimento Social de Inserção têm tido, com o crescimento do Chega, estamos a alimentar o risco de essa atitude agravar as tensões sociais entre quem trabalha com salários próximos do mínimo e quem recebe o rendimento básico.
Também nos partidos que são ou querem liderar o poder há promessas que seriam impossíveis se os portugueses soubessem alguma coisa de economia ou de finanças. É o caso da promessa de aumentar o salário mínimo com calendário pré-definido, como promete o PS. Claro que o argumento é: o salário mínimo subiu nos últimos anos sem que tenha aumentado o desemprego – pelo contrário, o emprego aumentou. Sem dúvida que assim aconteceu. Mas isso não significa que a regra geral tenha sido invalidada. A evolução recente do salário mínimo foi acompanhada por um crescimento da economia com forte criação de emprego. Se crescermos menos ou se o crescimento for induzido por sectores menos intensivos em trabalho, a subida do salário mínimo pode, de facto, gerar desemprego. Num quadro de crise, o PS não poderá cumprir a sua promessa, como aliás se viu no passado. Além disso, é claro que a subida do salário mínimo tem sido acomodada pelas empresas através do não aumento dos outros escalões de remunerações, o que explica a aproximação ao salário médio.
O PS promete ainda uma espécie de IRC para cada empresa, criando incentivos para determinados comportamentos empresariais através dos benefícios fiscais. O PSD faz o mesmo, embora em menor grau, ao mesmo tempo que promete a descida da taxa de IRC. Qualquer uma das políticas é bastante interessante, mas a do PS é menos transparente e mais burocrata acabando por beneficiar as empresas com maior capacidade financeira para pagarem a quem consiga entender-se nos meandros dos benefícios fiscais, retirando deles o máximo de proveito.
Um outro sinal da falta de exigência do eleitorado, por défice de literacia financeira, é a indiferença com que se olha para o que pode acontecer às taxas de juro. Promessas de redução de impostos – como a que o PSD faz a prazo – podem cair por terra se desaparecer a protecção do BCE aos baixos juros da dívida pública. E certamente que em 2023 os juros serão mais altos.
Quanto custa? Como se vai pagar? Estas deveriam ser as perguntas que devíamos estar sempre a fazer perante cada promessa eleitoral. Hoje até fazemos menos essas perguntas do que no passado, fruto da desvalorização do papel dos economistas por parte da elite política, que encontra terreno fértil para essa sua estratégia num eleitorado com falta de formação económica e financeira. Só conseguiremos dar cabo, de vez, de promessas economicamente irresponsáveis quando os portugueses começarem a perceber quão importante é saberem de economia e de finanças.