A campanha eleitoral na Bielorrússia, Estado situado entre a Rússia e a União Europeia, já estava a decorrer bastante agitada depois da prisão de dois dos principais candidatos da oposição à presidência do país, ocupada por Alexandre Lukachenko desde 1994. Mas a detenção de várias dezenas de alegados mercenários russos veio complicar ainda mais a perigosa situação já existente.
Para muitos, o anúncio das autoridades policiais da Bielorrússia, de que haviam detido nos arredores de Minsk, capital do país, 32 mercenários estrangeiros, que estavam à procura de mais de 170 e que centenas deles se encontravam concentrados junto às fronteiras, caiu como uma bomba. Mais surpreendente ainda, foi o facto de se tratarem de mercenários russos, pertencentes à famigerada empresa de segurança “Wagner”, detida por um dos “amigos de Putin”.
Os efectivos da “Wagner” actuam em países como a Ucrânia, Líbia, Síria, Sudão, Moçambique e República Centro-Africana.
O ditador Alexandre Lukachenko apressou-se a tirar dividendos desta operação levada a cabo pelos seus serviços de segurança. A sua posição na luta pela reeleição presidencial é desesperada e ele precisa de uma “bóia de salvamento”.
É sabido que o Kremlin não reconhece a existência da empresa “Wagner”. Entre outras coisas, ela realizou e realiza, fora de fronteiras, aquilo que Vladimir Putin diz não fazer, como, por exemplo, a ingerência nos assuntos internos de outros Estados. Entre os mercenários agora detidos, pelo menos quatro participaram nas operações dos separatistas pró-russos na região de Donbass, no Leste da Ucrânia. Kiev já exigiu a sua extradição, mas Moscovo opõe-se frontalmente.
No caso da “Wagner”, o Kremlin tenta actuar discretamente, mas, desta vez, Lukachenko estragou tudo. Até obrigou Moscovo a reconhecer que existe uma empresa de segurança russa chamada “Wagner”, que faz operações em países estrangeiros.
“Eles [os detidos] atrasaram-se para um voo do aeroporto de Minsk, quando se dirigiam em trânsito para um terceiro país… Tencionavam ficar na Bielorrússia pouco tempo e, muito mais tarde, regressar à capital russa vindos de outro Estado, no mesmo avião, passando ao lado do território da Bielorrússia”, declarou Dmitri Mezentsev, embaixador russo em Minsk, acrescentando que os “combatentes da empresa militar privada Wagner tinham um contrato com uma empresa bielorrussa”.
Há muito que a Bielorrússia vinha sendo utilizada pela “Wagner” como ponto de embarque de mercenários para África. E neste caso, a julgar pelo que foi encontrado nos bolsos dos detidos – papel-moeda e fotografias de localidades sudanesas -, eles preparavam-se para voar para o Sudão.
Ora, esta operação dos serviços de segurança bielorrussos encaixa como uma luva na política de Lukachenko de “defesa da independência” da Bielorrússia em relação ao poderoso vizinho, que não esconde a intenção de a anexar. Um dos pilares da campanha presidencial do ditador é, aliás, o “perigo de intervenção externa”.
“Olho para a reacção dos russos. Eles, para se justificarem, já quase dizem que fomos nós que os trouxemos [mercenários] para cá. Claro que precisam de justificar as suas intenções sujas”, declarou Lukachenko, depois da detenção dos homens da “Wagner”.
O presidente bielorusso, no entanto, parece não temer a ira de Putin, considerando que Moscovo esquecerá afrontas deste tipo se ele voltar a vencer as eleições e se não levantar obstáculos à criação de uma união de Estados.
Por outro lado, Lukachenko tenta também mostrar ao Ocidente que é o único capaz de garantir a independência da Bielorrússia, esperando assim “compreensão” quando, depois de encerradas as urnas, a 9 de Agosto, e do anúncio da sua vitória, tiver de recorrer às forças policiais para travar as manifestações da oposição.
Aos olhos do eleitorado, o ditador pretende apresentar-se como um político destemido, que não vende a soberania do país, tentando, dessa forma, ganhar votos dos opositores que olham com maus olhos para a demasiada aproximação ao vizinho a Leste – a Rússia.
A forma como se têm vindo a desenrolar os acontecimentos traz à memória a ocupação da Crimeia, em 2014, por tropas russas. Então, tudo começou com a entrada de “homens verdes” naquela península ucraniana, armados, sem qualquer tipo de distintivos, que mais tarde se veio a saber tratar-se de tropas especiais russas. E, como já foi referido, pelo menos quatro dos mercenários agora detidos, têm experiência de guerra na Ucrânia.
No caso da Bielorrússia, é verdade que Vladimir Putin está cansado de políticos “mal-agradecidos” e “insolentes”, mas não pode deixar de actuar, caso Lukachenko seja derrotado nas urnas e a influência da Rússia naquele país seja posta em causa. Putin sabe, além disso, que numa situação de desespero, o actual Presidente bielorrusso preferirá um refúgio confortável algures na província russa, como aconteceu com o então presidente ucraniano Viktor Ianukovitch, em 2014, do que ser detido e julgado por crimes cometidos no seu país.
Este cenário poderá ser favorecido pelo facto de a União Europeia se encontrar mergulhada numa profunda crise económica e social e os Estados Unidos estarem concentrados nas eleições presidenciais de Novembro próximo. Europeus e norte-americanos poderão protestar e aprovar novas sanções, mas nada que incomode Vladimir Putin e a sua corte.
Sobram, ainda, algumas incógnitas: será que os bielorrussos se irão comportar como os habitantes da Crimeia em 2014? E qual será a reacção da sociedade russa numa época de “vacas magras”? Estará disposta a “apertar o cinto” em prol da política imperialista e agressiva de Vladimir Putin?