Estou muito curioso com os resultados das eleições legislativas. Não com as de 2026, com as de 2034. São as primeiras em que vão votar as crianças que entraram para a escola em 2019 e fizeram a primária durante a pandemia, a falta de professores e as greves escolares. Em quem é que irão votar estes analfabetinhos? Se calhar é em Pedro Nuno Santos, por não terem literacia suficiente para ir ao Google pesquisar “Pedro Nuno Santos + TAP + trapalhadas”. Ou em Carlos Moedas, porque a voz lhes lembra uma personagem dos desenhos animados que passaram a infância a ver, em vez de terem aulas. Isto, claro, partindo do princípio de que nesses 4 anos de formação inicial tiveram tempo de chegar à letra “x”, essencial para se conseguir preencher o boletim de voto.
A não ser, claro, que se repita o fenómeno e os alunos saiam deste período conturbado com mais habilitações do que as que teriam adquirido com uma escolaridade normal. É preciso não esquecer que as crianças portugueses foram as únicas, no mundo inteiro, a obter melhores resultados depois da pandemia do que os que tinham antes. Das duas, uma: ou é uma geração de sobredotados, ou o sistema de ensino português é tão funesto que as crianças aprendem mais quanto menos tempo passem na escola.
Pelas minhas contas (sim, eu ainda sou dos felizardos que concluiu o ensino básico sem grandes interrupções e por isso consigo contar pelos dedos), entrámos no 6º mês com greves e a expectativa é que isto ainda se prolongue durante algum tempo. Mas nem tudo é mau: tenho um amigo que está com esperança que as greves durem até Abril. Mais precisamente, até dia 21. Que é para as aulas do filho começarem na segunda-feira, dia 24. Como o meu amigo é funcionário público e pode faltar ao trabalho para acompanhar o petiz no primeiro dia de aulas, junta o 24 ao feriado de 25 e tem umas mini-férias.
Tem-se ouvido muito falar dos 6 anos, 6 meses e 23 dias que os professores não viram contabilizados, mas fala-se pouco dos 2 anos, 9 meses e 11 dias. É o tempo que um jovem que tenha feito o ensino obrigatório na escola pública passou sem ter aulas. Ou porque o professor ainda não foi colocado, ou porque houve greve, ou porque chove na sala de aula, ou porque o professor que está de baixa não pode ser substituído pois o sistema informático do Ministério não o permite, ou porque não há internet na escola para as aulas online, ou porque há internet, mas não há computadores, ou porque há computadores mas os pais não os podem aceitar porque se houver uma avaria vão à falência.
As greves, somadas à forma como o Governo geriu a Educação durante a pandemia, agravaram ainda mais as diferenças entre o ensino público e o privado. Actualmente, só alguém muito cínico é que não reconhece que um aluno de um colégio não é desfavorecido em relação a um que frequente uma escola pública. Uma criança que estude numa escola privada habitua-se a ter os professores todos desde o primeiro dia de aulas (primeiro dia de aulas que calha sempre no primeiro dia de aulas), a ter um substituto na eventualidade de o professor faltar, a ter a escola sempre aberta, a ter instalações com condições mínimas, a ter serviços prestados com competência. No fundo, habitua-se a que a sua escola funcione. Isto seria muito giro se estivéssemos a preparar futuros cidadãos da Suécia. Sucede que são alunos que vão ter de lidar com Portugal. Que raio de formação é essa para uma criança portuguesa? Um jovem que tenha vivido toda a sua existência sem entrar em contacto com a máquina do Estado estará preparado para a vida de adulto no nosso país? Não creio. A primeira visita a uma repartição de finanças poderá ser desastrosa para a sua saúde mental. O que, por sua vez, significará contacto com o SNS, logo, novo trauma.
Já um estudante da escola pública, que passou anos a familiarizar-se com o absentismo, o laxismo, a falta de condições, a desresponsabilização, os atrasos, a burocracia e a bandalheira em geral, vai estar muito mais bem preparado para o embate com a máquina administrativa do Estado. Além de que vai jogar muito melhor à bola porque, quando um professor faltava, ia para o recreio jogar. É o paradoxo da escola pública em Portugal: quanto menos aulas um aluno tem, mais bem preparado fica. Já quem frequenta o ensino privado, fica privado de ensino.