Quando é que “isto” acaba? É a pergunta que mais tenho ouvido à medida que a guerra na Ucrânia se vai prolongando. Percebo. São já, no mínimo, dezenas de milhares de mortos, mais de 10 milhões de deslocados e refugiados, centenas de milhões em risco de fome. É o enorme custo económico, com o disparar global dos preços, desde os combustíveis (mais de 20%) até certos alimentos básicos (mais de 50%). É o choque que isto representa para um sistema internacional cada vez mais propenso a crises militarizadas, com o risco de paralisia total da ONU ou do G20 e a dificuldade em cooperar para resolver grandes problemas globais. E isto para não falar do risco de uma Terceira Guerra Mundial, que seria provavelmente nuclear, por irracional e suicida que pareça. É compreensível que desde o automobilista nacional até ao estadista internacional, como Henry Kissinger, haja muito quem queira a guerra a terminar o mais rapidamente possível.
Guerra está para durar
Não é provável, no entanto, que a invasão russa da Ucrânia acabe rapidamente, seja pela via de negociações, seja pela vitória militar. É verdade que as guerras prolongadas tornam-se provas de resistência, em que se torna decisiva a capacidade de substituir equipamento e tropas a um ritmo muito exigente. Foi aí, tanto ou mais do que no campo de batalha, que a Alemanha perdeu a Segunda Guerra Mundial. Mas, por padrões históricos, esta guerra ainda não durou muito. É certo que o inverno vem aí, e que a história nos mostra que mesmo o outono não é propício a grandes operações militares nesta região do mundo. Mas tudo isso torna provável que os meses de verão sejam vistos pela Rússia e pela Ucrânia como a grande oportunidade de ainda alcançarem ganhos militares. Se os conseguirão ou não iremos ver.
Não há nenhuma indicação de que os objetivos mínimos da Rússia e da Ucrânia possam ser facilmente conciliados. Quais são as prioridades declaradas dos dois lados? Do lado da Rússia continua a insistir-se numa neutralidade à finlandesa para a Ucrânia. Convém lembrar que a neutralidade imposta pelo Kremlin à Finlândia durante a Guerra Fria significou que Helsínquia não tinha uma política externa verdadeiramente soberana. Por exemplo, não podia aderir nem à NATO, nem à CEE. E que teve de ceder vários territórios fronteiriços à União Soviética. E efetivamente a Rússia tem declarado querer o controlo de todo o Donbas, e a Crimeia – anexada em 2014 – é vista como inegociável. Há ainda tentativas de russificação apressada da costa ocupada do Mar Negro até Kherson. Não vejo que a Ucrânia aceite semelhantes cedências, não sem luta, não sem sofrer derrotas militares significativas.
Os objetivos declarados do lado de Kiev são cada vez mais o de recuperar todo o território perdido para a Rússia. É, por isso, de esperar que a Ucrânia tente usar as novas armas, com mais alcance e maior poder de fogo, que estão a ser fornecidas pelo Ocidente para tentar recuperar militarmente esses territórios ocupados pela Rússia. Mas o transporte, o treino, o emprego eficaz e em quantidade significativa dessas novas armas demorará no mínimo algumas semanas. Mais, este tipo de operações ofensivas é mais exigente em termos de coordenação, de comando conjunto de múltiplas unidades e meios aéreos e terrestres, tanto mais quanto seja dado tempo às tropas russas para se entrincheirarem. Mesmo que essas operações corram bem, e haja um colapso da resistência russa em certas regiões, é muito o território a recuperar.
Os ucranianos estão a lutar pela sua sobrevivência. O regime russo também não se pode dar ao luxo de perder. Parece difícil que a guerra se mantenha com um elevado nível de intensidade durante anos, mas é possível que até haja uma escalada nos próximos meses. Se há lugar na guerra para a estratégia racional, não podemos ignorar o papel do acaso e da emoção. O prolongamento de um conflito tende a tornar os contendores mais intransigentes, até para justificar as perdas cumulativas sofridas, pelo menos até a erosão de homens e meios se tornar insustentável.
Cenários a prazo
Para lá do verão quais são os cenários mais prováveis? Podemos ter um impasse do tipo da Primeira Guerra Mundial – ou seja, com trincheiras, pesados duelos de artilharia, ofensivas ocasionais e mortíferas, mas mudanças limitadas no terreno. Podemos ter um cenário de conflito congelado, como é o caso desde 1953 com a Guerra da Coreia. Ou seja, um impasse militar leva a uma fronteira altamente militarizada, mas sem um acordo de paz que obriga as partes a formalizar concessões politicamente complicadas, com algum risco, ocasionais demonstrações de força, mas sem confrontos continuados. Ou podemos ter um conflito semicongelado, como entre a Arménia e o Azerbaijão, sem acordo de paz, anos de cessar-fogo, sem choques militares, mas ocasionalmente novos períodos de conflito quando uma das partes procura vantagem.
O que o Ocidente pode fazer?
O que podemos fazer? Ao contrário do que tenho lido, as duras sanções económicas ocidentais contra a Rússia são um grande argumento a favor de uma paz de compromisso. Pois podem levar o Kremlin a fazer algumas concessões em troca de recuperar parte do seu acesso aos mais importantes mercados mundiais. O Ocidente deve continuar a apoiar militar e economicamente a Ucrânia – como o fez durante a Segunda Guerra Mundial relativamente à União Soviética para lhe permitir continuar a combater a Alemanha nazi. É possível fazer isso sem fechar completamente as portas da diplomacia com a Rússia. Algumas tensões entre aliados são inevitáveis numa guerra prolongada. Foi assim durante a Segunda Guerra Mundial, foi assim durante a Guerra Fria. Por muita convergência de prioridades estratégicas que exista, ela nunca é total. Convém, no entanto, recordar Churchill, com ampla experiência na gestão de uma aliança em tempo de guerra: pior do que uma guerra com aliados, é uma guerra sem aliados!
O fundamental é evitar uma nova Yalta, uma paz como a de 1945 acordada pelas grandes potências ignorando os países do Leste da Europa. Sobretudo é fundamental percebermos que o apoio ocidental é fundamental para equilibrar as coisas e criar as condições mínimas para verdadeiras negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Uma paz ditada por Moscovo seria muito perigosa. Seria um sinal do regresso do direito de conquista para um número crescente de autocratas fortemente armados. Seria comprar uma paz rápida à custa da segurança europeia a prazo. Seria deixar o mundo completamente entregue à lei do mais forte.