As próximas semanas são as mais decisivas da presidência portuguesa na UE. Pode parecer estranho dizê-lo quando a Alemanha ainda exerce a sua presidência até ao fim do ano. Mas é a verdade. Se a Alemanha não conseguir um acordo sobre o Fundo de Recuperação da UE nas próximas semanas, o problema cai para o governo português. Nesse caso, perguntar-se-á, conseguirá António Costa fazer o que Merkel não conseguiu?
Aceitando que será quase impossível Costa alcançar o que Merkel falha, convém e é do interesse nacional que os alemães tenham sucesso. Neste momento, os húngaros e os polacos estão muito inflexíveis. Não aceitam qualquer solução que não seja a reabertura do acordo entre o Conselho e o Parlamento Europeu sobre a sujeição da libertação dos fundos europeus ao respeito pelo estado de direito. Pelo seu lado, o Parlamento Europeu já recusou qualquer alteração do acordo com o Conselho.
A presidência alemã está a tentar chegar a um compromisso, propondo uma clarificação do regulamento que proteja a Hungria e a Polónia, e amanhã outros Estados membros, do escrutínio de Bruxelas. Apesar do envolvimento directo de Merkel, os governos de Budapeste e de Varsóvia ainda não estão convencidos. Aliás, a declaração conjunta dos dois PMs na semana passada foi muita dura, elevando bastante a fasquia. Neste momento, não vejo como é que os húngaros e os polacos vão recuar. Mas só Merkel, e com um mecanismo que proteja Budapeste e Varsóvia, poderá conseguir um acordo.
Há outra solução que tem sido levantada nos últimos dias que me parece ser quase impossível. Há quem proponha um acordo a 25 deixando de fora a Hungria e a Polónia. Duvido muito que a Alemanha aceite essa solução. Em primeiro lugar, Merkel entende muito melhor os governos húngaro e polaco do que se julga. A Chanceler alemã partilha o mesmo passado dos PMs húngaro e polaco. Têm a mesma história e vêm do mesmo mundo. Ela sabe que os líderes húngaro e polaco resistiram às ditaduras totalitárias comunistas e ao poder e ocupação soviéticos. Têm pele dura.
Num plano ainda mais importante, a relação bilateral com a Polónia tem uma importância fundamental para Berlim. Tal como aconteceu com a França, a UE é o instrumento da reconciliação entre a Alemanha e a Polónia. Os alemães não deixarão os polacos isolados.
Mas há também uma razão económica forte que explica a importância dos países da Europa Central para a Alemanha. Se tratarmos os quatro países Visegrado (V4) como um mercado comum, é o maior destino de exportações alemães (em 2019, cerca de 150 mil milhões de euros), à frente dos EUA (118 mil milhões), da França (106 mil milhões) e da China (95 mil milhões). Em termos individuais, a Polónia é o oitavo destino das exportações alemães, e o quinto na UE. A Alemanha exporta mais para a Hungria do que para países muito maiores como a Rússia, a Turquia ou o Japão. As exportações alemãs são pagas com fundos europeus. Se alguém julga que a Alemanha deixará a Hungria e a Polónia fora do dinheiro de Bruxelas, está muito enganado. Além disso, se isso acontecesse, húngaros e polacos teriam o apoio de outros países, como a República Checa, a Eslováquia, a Eslovénia e provavelmente os países Bálticos.
Esta solução, de resto, deveria preocupar o governo português. Um acordo a 25, com a Hungria e a Polónia de fora, levaria os países do Norte a pedirem uma renegociação dos montantes para retirar as verbas destinadas a húngaros e a polacos. Sabe-se como começam estas renegociações, mas nunca se sabe como acabam. A sensatez e a prudência aconselham a que não se reabra um acordo que foi muito difícil de alcançar.
Se não houver um acordo no Conselho Europeu de 10 e 11 de Dezembro, em relação aos fundos europeus, o governo português pode preparar-se para a presidência mais difícil desde que o país aderiu à Comunidade Europeia.
Mas, mesmo com um acordo com húngaros e polacos, haverá outro problema complicado, e este ocorrerá seguramente durante a presidência portuguesa: a ratificação do aumento dos recursos próprios da União pelos parlamentos nacionais. Sem esse aumento, não haverá Fundo de Recuperação, mas a ratificação nos parlamentos dos chamados países frugais será complicada, sobretudo na Holanda, com eleições no próximo ano. Estas ratificações poderão arrastar-se durante meses.
Tendo em conta as incertezas europeias, o governo português deve concentrar-se num programa de distribuição rápida e eficaz da vacina contra o Covid. Só depende de si e não de outros governos. A distribuição da vacina será o melhor estímulo para a economia portuguesa.
PS: Durante a intervenção da troika, quando estava na oposição, Pedro Nuno Santos falava com voz grossa contra a “Europa” nos encontros com os seus camaradas. Agora que é ministro quero ver como é que ele vai “bater o pé” contra a DG Concorrência para defender a TAP. Fazer barulho e ser populista em reuniões partidárias, é fácil. Negociar com Bruxelas é um pouco mais difícil. Será um bom teste para se ver se Pedro Nuno Santos é tão bom a executar como a falar.