No Domingo, por volta do meio-dia, lavravam em Portugal 38 incêndios, combatidos por 2022 bombeiros auxiliados por 625 viaturas e 17 meios aéreos. Leu bem. São números chocantes que não podem deixar de impressionar qualquer cidadão inquieto com o que se passa no país. Como é possível, ano após ano, repetirem-se estas situações vergonhosas? 625 viaturas? 17 meios aéreos? A sério que, em 2021, continuamos a apagar fogos com recurso a motores movidos a combustíveis fósseis?
As imagens são perturbadoras: aviões (aviões!) a fazerem várias viagens na bisga, ainda para mais carregadíssimos com água, a gastarem depósitos de gasolina atrás de depósitos de gasolina, sem qualquer atenção a consumos responsáveis. Ainda por cima, dois dos aviões vieram de Espanha! Até parece que é a gozar. Temos de nos perguntar se valerá a pena esta pegada de carbono só para apagar uns quantos fogos. É este o tição que queremos deixar aos nossos netos? A triste realidade é que somos uma espécie egoísta, menos preocupada em salvar a Mãe Terra e mais preocupada em salvar a terra da mãe.
Felizmente, a partir de 2035, vamos acabar com este despautério dos motores alimentados por derivados do petróleo. Já sonho com os camiões de bombeiros eléctricos, todos em fila, ligados às tomadas que o Ministério das Infraestruturas vai instalar nos caminhos florestais, por sua vez alimentadas pelas centrais fotovoltaicas que consigam produzir electricidade apesar do fumo dos incêndios, enquanto os bravos sapadores dão à manivela nas bombas de água, porque a bateria do camião está em “modo economia” e só tem pilha para o rádio, para as mangueiras ou para o pirilampo.
Ao mesmo tempo, balões de ar quente despejam baldes de água lá de cima, enquanto as pessoas fogem nas suas carroças. Ou nas suas bicicletas. Ou nos seus windskates – muito giro, é um skate com uma vela de windsurf, há vídeos bem catitas no Youtube. Tudo isto numa floresta que foi limpa a golpes de machado, à antiga!, sem recurso a maquinaria pesada. Teremos então, finalmente, uma época de incêndios sustentável. E o mundo olhará para Portugal com admiração.
Há quem pergunte: se as ondas de calor estão mais prolongadas e se é mais frequente a conjugação de condições óptimas para incêndios (meteorologia, seca, organização e limpeza florestal), será boa ideia abdicarmos das fontes de energia que, comprovadamente, nos permitem combater melhor os fogos, substituindo-as por fontes de energia pouco fiáveis, que não dão garantias nenhumas de sucesso? A resposta é: “óbviamente que sim!”, pois a transição energética é uma penitência e não uma decisão racional.
Infelizmente, os alemães são menos religiosos e, com a Rússia a fechar o gás, em vez de instalarem mais ventoinhas, optaram por reactivar as suas centrais a carvão. Espero que, no próximo Inverno, nas suas casas confortavelmente aquecidas, protegidos dos elementos, a comerem as refeições que só uma economia a funcionar regularmente proporciona, os alemães tenham tempo para reflectir sobre o mal que estão a causar ao mundo de 2100, só para salvarem o seu mundinho de 2022. Primeiro o holocausto, agora isto. Parabéns, Alemanha.