O regime tem algumas coisas comovedoras. Uma delas é o esforço que todos fazem para disfarçar a verdadeira natureza das eleições para o parlamento europeu.  Aqui, como em outros países, não passam de uma grande sondagem de opinião em urna, num dia em que a maior parte dos eleitores tem mais que fazer. Porque é que deveria ser diferente? Trata-se de eleger uma assembleia cujo principal papel consiste em votar, de cinco em cinco anos, o executivo do que é, para todos os efeitos, uma união intergovernamental. Para dissimular isso, pede-se aos candidatos que discutam a Europa ou até mais rebuscadamente “ideias sobre a Europa”.

É um hábito sem sentido. Ficou dos anos 90, quando se preparava a integração monetária e toda a gente julgava que assistia ao parto dos Estados Unidos da Europa. Ainda talvez parecesse fazer sentido no princípio desta década, durante a crise do euro, quando, pelo contrário, muita gente achou que era chique acreditar no fim da União Europeia. Desde então, porém, não é fácil justificá-lo.

Basta olhar para os “populistas”, de que a imprensa agora abusa desesperadamente para dar algum interesse às eleições europeias. Há uns anos, a antiga Frente Nacional, em França, o Syriza, na Grécia, ou o 5 Estrelas e a Liga Norte, na Itália, ainda talvez pudessem passar por anti-europeus. Renegavam o Euro, contestavam as regras, exigiam fronteiras. Que vimos, entretanto? O Syriza, que em 2015 organizou um referendo contra a recusa dos outros europeus lhe emprestarem dinheiro sem condições,  até já é elogiado no Economist. Na Itália, o 5 Estrelas e a Liga Norte prometeram ferro e fogo contra as restrições orçamentais, para actualmente serem mais cumpridores do que Macron. Em França, Marine Le Pen trocou o  “Frexit” pelo “governo da moeda única”, como se fosse uma comissária europeia. Os grandes eurocépticos parecem hoje euroconformados. Porquê? Porque estão no governo, como o Syriza, o 5 Estrelas e a Liga Norte, ou porque ainda esperam lá chegar, como Le Pen. O mesmo se poderia dizer do nosso eurocepticismo doméstico. Há quatro anos que BE e PCP estão esquecidos das “saídas” e “rupturas” que outrora os deixavam tão excitados. A UE mudou? Não, apenas houve a geringonça.

É sabido que os europeus ficam mais europeístas quando as economias crescem, o que tem sido o caso ultimamente. Mas talvez tenham entretanto descoberto outra coisa: que nenhum país, até ver, tem meios para organizar uma saída ordenada da UE. Viu-se isso na Grécia, em 2015, quando o Syriza preferiu a humilhação de esquecer o referendo, a sofrer o drama argentino de um novo dracma. E está-se a ver isso agora no Reino Unido, onde a elite política, depois do referendo de 2016, já concordou que não sairá da UE sem ficar com um pé lá dentro: “brexit in name only”, como diz o ex-governador do Banco de Inglaterra. Na UE, não é fácil entrar, como os portugueses aprenderam durante quase dez anos de espera, mas é ainda mais difícil sair. Não porque o Tratado de Lisboa não tenha o artigo 50. Mas porque o que a UE representa — um dos maiores mercados do mundo e, para quem está no Euro sob o guarda-chuva do BCE, uma fortaleza contra os mercados de capitais — não tem alternativa. Fora da UE, a maior parte dos Estados europeus teria provavelmente de renunciar ao seu modelo social — ou aceitar a degradação dos seus níveis de vida.

É difícil imaginar mais integração europeia, e é difícil querer menos. Que há então para discutir? Talvez isto: as razões pelas quais as democracias europeias tentaram e conseguiram, através da integração internacional, colocar as suas estruturas internas para além de qualquer debate. Foi uma ideia americana no primeiro pós-guerra, em 1919, como sugere Adam Tooze em The Deluge. Não se fez então. Fez-se agora.

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