Em política como em tudo o resto, o medo é mau conselheiro. O país e a Europa estão a viver as consequências de décadas de políticas e de políticos medrosos e calculistas. A realpolitik teve um efeito anestésico nos responsáveis políticos deste lado do atlântico, sem coragem para tomar decisões. A supremacia do medo está a conduzir-nos para um pântano que nos começa a sugar e não nos deixa sair do mesmo sítio. Os últimos dias deram-nos vários exemplos do que nos está a acontecer.
1 Por mais que, irritantemente, o discurso do Governo seja otimista em relação à situação do país e aos resultados alcançados, a crise é cada vez mais sentida entre os portugueses. Os professores nas ruas fim-de-semana sim, fim-de-semana não, aos quais se começam a juntar muitos outros setores insatisfeitos, são a prova irrefutável de que “crescermos acima da média europeia” não nos serve de consolo.
A verdade é que as pessoas vivem mal em Portugal e temem que o futuro seja bastante pior. Este fim de semana ouvimos mesmo vozes de elementos de comunidades imigrantes residentes nos bairros periféricos de Lisboa a manifestarem o seu receio de que a crise na habitação os venha a expulsar dos seus bairros para outros, imagina-se que ainda mais degradados. Recordava um dos manifestantes que o lema no pós 25 de Abril era: Paz, pão e habitação. Passados quase 50 anos a luta continua sem resultados à vista. E ao longo destes quase 50 anos foi o Partido Socialista que maioritariamente governou o país.
Os protestos dos manifestantes à porta do Parlamento não podem deixar de nos pôr a pensar sobre o que é que andámos a fazer estes anos todos de democracia. Milhares de milhões de fundos europeus serviram para quê?
No país de todos os diagnósticos, legislatura após legislatura, a prioridade é não mexer muito para não criar crises. Os políticos com medo trouxeram-nos aqui: um país sem rumo nem esperança.
2 Vi nos últimos dias uma entrevista a Sanna Mirella Marin, Primeira-ministra Finlandesa. Um caso de sucesso na política europeia. Uma social democrata jovem, que gere as suas próprias redes sociais, leva uma vida normal (o que às vezes a coloca no olho do furacão) e não tem papas na língua, nem medo de defender as suas opções políticas em confronto com o discurso populista que, lá como cá, vai fazendo o seu caminho.
Ao ouvir Sanna Marin, lembrei-me de Luís Montenegro. O líder do PSD fazia bem em ouvir a sua colega finlandesa para perceber o bem que lhe podia fazer um discurso mais assertivo e menos calculista (medroso?) em relação aos populistas de serviço aqui em Portugal.
O sucesso da Primeira-ministra Finlandesa, que se prepara para ir de novo às urnas, demonstra que o discurso do “sim, sim, não, não”, por mais polémicos ou escaldantes que sejam os temas, é um discurso vencedor junto do eleitorado. O “sim, mas…” não convence nenhum eleitor e quanto mais forem visíveis os sinais de crise, mais necessidade têm os eleitores de saber distinguir o preto do branco. O cinzento é isso mesmo, cinzento.
3 Mais uma tragédia no Mediterrâneo. Dezenas de corpos de crianças e adultos afogados na ponte marítima entre África e a Europa. Uma tragédia que se repete sem que os dois continentes das margens do Mediterrâneo tomem decisões sérias e eficazes para acabar com esta guerra em que uns lutam pela sobrevivência e outros assobiam para o lado, procurando abafar a tragédia com discursos estéreis.
O tema das migrações é um assunto sério e incontornável. Tão sério e tão incontornável como a guerra na Ucrânia. É precisa coragem para adotar políticas de imigração que sejam exequíveis e eficazes na redistribuição de pessoas que neste momento são essenciais à sobrevivência da Europa. O velho continente também está velho demograficamente e ao mesmo tempo o continente africano tem uma pirâmide demográfica saudável e jovem. Dar trabalho aos que precisam dele e nos fazem falta e simultaneamente olhar para uma área do globo que tem ficado para trás nos arranjos económicos mundiais, redistribuindo para África recursos, saber, indústria e empresas é a solução. A realidade está a demonstrar que não há sustentabilidade nem equilíbrio no planeta enquanto não deixarmos de olhar para os países africanos como os parentes pobres no concerto das nações.
Ou os líderes europeus ganham coragem para adotar uma política de imigração europeia que responda às exigências do momento, ou a Europa coloca o seu futuro a prazo e enfrenta, mais cedo do que tarde, uma guerra de efeitos ainda mais dramáticos do que os que estamos a assistir com a guerra na Ucrânia.