Em dois meses passámos de um extremo ao outro. Em Março fechámo-nos em casa e em Maio saímos para a praia. Entretanto, as crianças continuam a ter aulas através do computador ou pela televisão. Mas a verdade é que, à medida que o que era provisório se tornou prática corrente, é legítimo que questionemos se os alunos não estão a ser prejudicados com tudo isto. Na verdade, quantas crianças acompanham a telescola? Será que ouvir gravações feitas pelos professores é suficiente para que um aluno aprenda verdadeiramente? Quantas crianças e adolescentes abandonaram o ensino nas últimas semanas? É caso para que se pergunte em que gaveta guardou o governo a luta contra o insucesso escolar.
Em Março, quando a Covid-19 ainda continha muitas incógnitas, a minha mulher e eu tirámos o nosso filho da escola ainda antes da decisão governamental. Tomámos essa decisão conscientes do nosso desconhecimento e porque não quisemos arriscar. E também porque a situação seria provisória (faltavam duas semanas para as férias da Páscoa) e a escola colmatou essa falha da melhor forma e o mais rapidamente que lhe foi possível. Sei, no entanto, que nem todos têm a mesma sorte pois não foi o que sucedeu com a maioria das famílias. E o que me aflige é que o governo e o senhor presidente da república finjam que não se apercebem do que se está a passar.
A incongruência é algo que me angustia. Não é o mesmo que mudar de opinião que geralmente sucede quando procuramos fundamentar o que pensamos. A incongruência é agir de forma completamente desadequada com o que se diz pretender. Por exemplo, dizemos vezes sem conta que o mais importante são os nossos filhos. Por isso tirámo-los da escola em Março quando receámos pela saúde pública. Agora, que deixámos de ter medo do vírus, vamos à praia mas não retomamos as aulas a sério. Pior: não nos preocupamos com a possibilidade de uma segunda vaga da Covid-19 obrigar ao fecho dos estabelecimentos de ensino por mais um ano. Durante décadas ouvimos falar da paixão pela educação, que era o futuro do país e por aí fora. Foi tudo para o balde do lixo. Hoje temos um primeiro-ministro e um presidente da república que nos incentivam a ir à praia, mas que não permitem que os miúdos regressem à escola. É a total inversão das prioridades.
Depois de um fim-de-semana com tanta gente na praia quando é que deixam os miúdos regressar às verdadeiras aulas? É justo puni-los com este sacrifício, punir crianças e adolescentes com aulas à distância? Continuar a sujeitá-los à telescola? Ao insucesso escolar por uma doença que não os afecta enquanto ao fim-de-semana o país vai a banhos? Como é que o governo promove o desconfinamento se os nossos filhos tiverem de ficar em casa? E se em Julho abrirem os ATL por que motivo não reabriram as aulas? Felizmente, não sou o único a colocar estas questões. O João Miguel Tavares também as fez ontem no Público, o que pode significar que muitos Portugueses partilhem do mesmo ponto de vista.
Educar um filho é uma função que muitos assumem como a mais importante das suas vidas. A forma como o fazem, o resultado que obtiverem determina, aos seus olhos, se foram bem ou mal sucedidos na vida. Muitos pais assumem este papel apesar de todas as dificuldades com o objectivo maior de criarem mulheres e homens equilibrados e mentalmente sãos, preparados para lutarem por uma vida melhor que a dos pais. Impedir os nossos filhos de regressarem à escola é uma violência que não tem nome. É de um egoísmo atroz que não tem explicação e que não se compreende. Para as crianças e para os pais que tudo fazem por elas. As crianças precisam de voltar a ter aulas com os professores, precisam de aprender a sério, precisam de voltar a ver os colegas e os amigos, regressar às brincadeiras delas, sorrirem, apanharem ar, voltarem a viver. As crianças que não têm acesso às aulas, porque não têm computador ou porque o ambiente em casa não propicia a que assistam à telescola, precisam que lhes seja permitido regressar. É algo que lhes devemos; é algo que temos a obrigação de lhes proporcionar. É algo que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa devem fazer. É algo muito mais importante que comer uma maçã na praia ou dar um mergulho de mar em Cascais.