O governo optou por manter as escolas encerradas e a funcionar à distância até ao final deste ano lectivo, com excepção para os alunos que realizem exames de acesso ao ensino superior nos 11.º e 12.º anos. Podemos concordar ou discordar da decisão — independentemente de, em vários países europeus, a reabertura estar a ser planeada para o próximo mês — mas a decisão está tomada. Portanto, agora a questão que deveria estar na primeira linha do debate público é como preparar o próximo ano lectivo, de modo a minimizar o inevitável dano na aprendizagem associado a esta decisão. Sabendo-se, de resto, que existe a possibilidade de um novo surto do vírus interromper as aulas presenciais no próximo Inverno, a questão ganha ainda maior importância. Assim, a solução que defendo é o arranque das actividades escolares presenciais logo em Agosto, para revisões e aulas de apoio, antes de em Setembro começar formalmente o novo ano lectivo.
Com um mês de experiência de ensino a distância, tornaram-se evidentes os desafios que se irão acumular nos próximos meses. Sabe-se que o ensino a distância tem, em condições normais, inúmeras limitações em termos de eficácia na aprendizagem, sendo um fraco substituto do ensino presencial e prejudicando em particular os alunos com dificuldades. Percebeu-se que, nas actuais condições anormais, o ensino a distância tem ainda mais limitações e o desafio suplementar do acesso, porque há milhares de alunos excluídos, sem equipamentos ou internet de banda-larga em casa. Tornou-se claro, ainda, que a adaptação das escolas tem sido conseguida à base de grande esforço dos professores, mas sem resultados homogéneos — há escolas que se ajustaram e outras que ainda não conseguiram, há professores que se adaptaram rapidamente e outros que ainda não se orientam pelas plataformas digitais. O que equivale a dizer que os alunos estão a ter experiências de ensino a distância muito desiguais. Por mais inglório que seja, a conclusão inevitável é que estes meses sem ensino presencial causarão um dano elevado no percurso escolar e na aprendizagem dos alunos, com particular incidência nos alunos com dificuldades e socialmente desfavorecidos.
O dano presente pode ser inevitável, mas isso não implica ausência de soluções que mitiguem as consequências futuras. Algumas já estão no terreno. O lançamento de ofertas educativas complementares, tais como a “tele-escola” #EstudoEmCasa, é uma mais-valia evidente, que ajudará os professores, os alunos e as famílias. Importa, por isso, reconhecer o mérito por detrás dessa iniciativa, construída em tempo recorde. Mas um olhar realista impõe que se reconheça que estas ferramentas, apesar de úteis, não pretendem ser nem serão solução para as inúmeras limitações do ensino a distância — até porque, para os alunos sem acesso ao ensino a distância e dependentes do sinal televisivo aberto na RTP Memória, a oferta educativa semanal será muito escassa. Ou seja, apesar de meritórias, o impacto dessas ofertas complementares nunca será suficiente para colmatar o prejuízo causado pela ausência de ensino presencial.
Uma solução mais eficaz só poderá, portanto, estar assente no ensino presencial. E isso obriga a uma dupla tomada de decisão por parte do Ministério da Educação. A primeira decisão, como recomendei na semana passada, estará na construção de planos de recuperação para os alunos com dificuldades de aprendizagem (os mais penalizados pelo ensino a distância), de modo a que se reduza o gap de aprendizagem para os seus colegas (que melhor usufruem do ensino a distância). Um plano de recuperação deste tipo só será eficaz se estiver em funcionamento durante dois anos lectivos, com aulas de apoio gratuitas e acompanhamento dos alunos. A medida deverá integrar, desde já, a planificação do próximo ano lectivo, com a devida alocação de recursos (materiais e professores).
A segunda decisão é sobre o calendário escolar, nomeadamente antecipando o início de actividades escolares do próximo ano lectivo para Agosto. Sim, é necessário manter as férias de Verão, para permitir descanso aos alunos e sobretudo aos professores. Não se deve subestimar o desgaste e a sobrecarga que o ensino a distância colocou nos ombros dos professores, que rapidamente tiveram de adaptar as suas aulas, criar materiais pedagógicos e aprender a usar ferramentas digitais que desconheciam. Mas é igualmente necessário preparar os alunos para o ano lectivo 2020/2021 e consolidar os conhecimentos adquiridos em 2019/2020, para que o regresso às aulas seja proveitoso e eficaz — e não um demorado reajustamento à normalidade escolar. Para tal, garantir-se-iam actividades escolares durante o mês de Agosto, com revisões e aulas de apoio para os alunos que voluntariamente se inscrevessem. A partir do início de Setembro, as aulas retomariam para todos.
Dir-me-ão que não é uma medida popular. Talvez não o seja, mas a sua necessidade está a impor-se e ajustar o calendário escolar está a ser equacionado em vários países. Em França, quando as primeiras medidas sobre o funcionamento das escolas foram comunicadas, foi explicado que seriam introduzidas aulas de apoio durante as férias de Verão. O ministro da educação de França, Jean-Michel Blanquer, anunciou a 20 de Março (portanto, há quase um mês) que haveria aulas de recuperação gratuitas e voluntárias, em Julho e em Agosto. No Reino Unido, o debate está em curso. Em Espanha, os apelos para abertura das escolas durante o Verão começaram a fazer-se ouvir.
Em Portugal, este debate sobre o calendário escolar deve ser lançado. Nos sectores que não o da Educação, já há quem se pronuncie. Por exemplo, Luís Aguiar-Conraria sugeriu, num artigo de opinião, que o período de férias de Verão fosse aproveitado para compensar (em parte) o dano causado pelas interrupções no normal funcionamento da economia — o que, indirectamente, implicaria a abertura das escolas no Verão. Assim, o apelo que faço é este: que, em prol dos alunos, os vários agentes do sistema educativo português tomem posição neste debate e (em vez de obstaculizarem) contribuam para uma solução que permita a abertura antecipada das escolas.