Hoje é o Dia Nacional da Água e deve ser objetivo nacional olhar os rios com mais respeito, reconhecendo a importância que os rios que correm livremente até ao mar, sem barragens ou barreiras, têm para a nossa segurança e sobrevivência.

Nos dias de hoje, existem alternativas mais sustentáveis e até mais vantajosas às barragens, quer para produção de energia, quer para abastecimento de água, assentes no pressuposto que os rios voltem a correr sem serem barrados e consigam assim exercer todas as suas funções ecológicas.

As barragens não são tão necessárias como pensávamos, nem uma fonte tão limpa de energia. Além de contribuírem para o aumento da erosão das praias e de muitas das suas albufeiras emitirem gases com efeito de estufa, agravando as alterações climáticas, as barragens têm ainda vários impactos negativos na conectividade dos rios e na biodiversidade. A par dos riscos decorrentes da vida útil limitada da própria infraestrutura, frequentemente tornando-se obsoleta ou mesmo perigosa depois de poucas décadas, as barragens podem mesmo levar à extinção local de muitas espécies dos ecossistemas de água doce.

Que os rios que correm livremente têm mais benefícios socioeconómicos do que as barragens já se tornou evidente há décadas nos Estados Unidos, onde começou o movimento “Dam Removal” (remoção de barreiras fluviais). Hoje em dia, este movimento é já uma realidade em quase toda a Europa, com milhares de barreiras fluviais obsoletas já removidas (mais de 100 apenas em 2020), sendo considerada uma operação economicamente eficiente.

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Seguindo a tendência, os nossos vizinhos espanhóis já removeram mais de 70 barreiras obsoletas apenas na bacia do Douro, incluindo uma barragem com um paredão de mais de 30 metros. Por cá, parece que remamos na direção oposta. Ao contrário do sentido geral apontado pela Diretiva-Quadro da Água e pelo Pacto Ecológico Europeu, que inclui a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 e a intenção de se removerem barreiras fluviais obsoletas para libertar pelo menos 25 mil quilómetros de rios, o governo português anunciou recentemente a construção de mais uma barragem (Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato).

Portugal está muito atrasado neste processo ou ainda não se convenceu completamente da importância de se removerem as barreiras nos rios. Há cinco anos, o governo português tinha mostrado o interesse no tema, tendo até criado um grupo de trabalho específico para identificação, estudo e planeamento da remoção de infraestruturas hidráulicas obsoletas (relatório publicamente acessível aqui), e anunciado que ia remover barreiras fluviais pela primeira vez em Portugal. Em 2018, a APA apontava a remoção de duas barragens no Douro, no seguimento do objetivo de desmantelamento de 10 barragens (oito na bacia do Guadiana e duas na bacia do Douro), inscrito pelo governo português no Plano Nacional de Barragens. Contudo, até à data, apenas três foram removidas e não há notícias de se e como o Governo quer avançar neste sentido.

Portugal tem uma clara oportunidade para se distinguir, aproveitando a maré seguida pela maioria dos países europeus, e começar a remar contra as barragens. Mas não basta a intenção, é fundamental Portugal dar passos claros, por exemplo, trabalhando com o sector privado e mobilizando fundos estruturais e de investimento europeus não utilizados para a criação de programas de restauro dos ecossistemas de água doce, incluindo medidas de remoção de barragens, gerando retornos financeiros positivos para comunidades e investidores. Será igualmente importante reduzir os gastos da manutenção e utilização da água nas barragens, inclusive através da aplicação de impostos por volumes de água usados pela irrigação. Outras medidas, como a promoção de um melhor tratamento e reutilização das águas residuais, permitiria que efluentes pudessem ser descontaminados e descarregados de volta para os rios, reduzindo a procura por água limpa para usos menos nobres. Agora mais que nunca, é imperativo combater o uso indisciplinado e exagerado deste recurso tão precioso e finito.

As medidas estão lá e não são assim tão complexas de implementar. É necessário vontade e agenda para Portugal fazer o que lhe compete a nível europeu na remoção de barragens nacionais, assegurando rios saudáveis para benefício de todos nós.

Resta saber até que ponto os nossos decisores pretendem remar contra as barragens em Portugal. Tomar consciência de que os rios são as veias do planeta e mantê-los livres – lembrando a famosa frase “panta rei os potamós” (tudo flui como um rio) de Heráclito – deveria ser responsabilidade e preocupação de quem quer assegurar um futuro a si próprio e às próximas gerações.