A escola é sinónimo de elevador social. Não é uma afirmação batida, mas sim uma constatação que ganhou força porque alicerçada em milhares de estudos académicos. Sabe-se que os desempenhos e a probabilidade de sucesso escolar de um aluno estão fortemente relacionados com o perfil socioeconómico da sua família — quanto mais qualificados forem os seus pais, maiores as chances de sucesso do aluno. E, porque o contrário também é verdade, sabe-se que, para os alunos em contextos socioeconómicos mais desfavorecidos, a escola é o único farol pelo qual se podem guiar. É menor a sua probabilidade de sucesso, não têm quem os ajude em casa, não podem pagar explicações, não arranjam outros apoios ao estudo. Sem a escola, ficam para trás. Aliás, com escolas encerradas no 3.º período, ficarão mesmo para trás. E isso é intolerável. Portanto, o regresso à normalidade, aconteça quando acontecer, não pode ser apenas um retomar das aulas presenciais: o Ministério da Educação deve criar um plano de recuperação destinado aos alunos mais frágeis. Tem de os resgatar, porque não pode aceitar que fiquem para trás.
O ensino a distância permite alguma continuidade pedagógica e tem a virtude de manter o elo das crianças com a escola. Mas tem também várias limitações, como expliquei neste ensaio, pelo que é um fraco substituto do ensino presencial. Pior ainda, as suas limitações atingem particularmente os alunos mais desfavorecidos e com maiores dificuldades de aprendizagem. Desde logo, porque o ensino a distância está associado a maiores taxas de abandono escolar (é difícil manter os alunos motivados) e porque funciona melhor com alunos mais autónomos (que já têm bons níveis de conhecimento). Depois, pelo aspecto material dos recursos tecnológicos: os alunos socialmente mais desfavorecidos têm piores condições de acesso à internet e menor disponibilidade de equipamentos (computadores ou tablets), havendo diferenças muito significativas no apetrechamento tecnológico das famílias entre contextos urbanos e rurais. Traduzindo: o ensino a distância é a solução possível no actual contexto, mas também dificulta muito a vida aos alunos para os quais a escola já era difícil. Em casos extremos (mas não raros), exclui-os efectivamente da frequência da escola.
No Ministério da Educação, muita gente tem consciência disto e tem trabalhado arduamente em busca de soluções. A transmissão de módulos educativos em formato “tele-escola”, em parceria com a RTP, é uma iniciativa meritória e justificada, mas que deve ser devidamente enquadrada: é um complemento, não é uma oferta educativa auto-suficiente. Ou seja, não será solução para o vazio escolar que atinge milhares de crianças, embora ajude (e, só por isso, tenha valor). Seja como for, apesar dos esforços em curso, é inevitável que o atraso escolar dos alunos mais desfavorecidos aumente face aos seus colegas com melhores condições de aprendizagem.
Há pistas na investigação académica que nos ajudam a estimar o prejuízo para a aprendizagem que esses alunos desfavorecidos estão a sofrer. Por exemplo, graças a vários estudos que analisaram o impacto do absentismo dos alunos nos seus desempenhos em exames, temos uma ideia precisa sobre os efeitos que não ir à escola tem na aprendizagem. Um estudo de 2018 tem a vantagem de, em vez de olhar apenas para o absentismo crónico (situações mais extremas), quantificar as faltas dos alunos em dias e comparar os seus resultados com os dos alunos que não faltaram à escola (controlando para outros factores, nomeadamente sociais). A análise demonstrou dois pontos de grande relevância. Primeiro, que mesmo para quem falta apenas pontualmente (1 ou 2 dias de faltas), existem efeitos negativos estatisticamente relevantes nos seus resultados em exames. Segundo, a análise verificou que o dano na aprendizagem é proporcional ao número de faltas — ou seja, quantos mais dias se faltar à escola, maior o handicap face aos colegas que tiveram as aulas.
Dito assim, é certo que os resultados não surpreendem. Mas o moral da história está nas entrelinhas e é fundamental para a nossa discussão actual: o atraso provocado por faltar às aulas não se recupera ou anula sozinho, simplesmente retomando as aulas. Portanto, para quem tem menos aulas, ou é tomada alguma acção para que os alunos recuperem o tempo de escola perdido, face aos colegas, ou o seu handicap aumentará. É esta a lição a fixar.
Nas escolas portuguesas, os alunos desfavorecidos estão, directa ou indirectamente, a ser os principais prejudicados pelo encerramento das escolas — seja porque não se dão bem com o ensino a distância, seja porque nem sequer lhe conseguem aceder. Compreensivelmente, o debate público ronda à volta de uma data viável para a retoma das aulas presenciais. Mas que ninguém acredite que a reabertura das escolas resolverá todos os problemas, porque não anulará o dano nos alunos desfavorecidos causado por estas semanas com escolas fechadas. Por isso, esse assumir-se-á como um desafio a exigir resposta política. Em breve, será necessário ao Ministério ir mais longe e preparar um plano de recuperação para esses alunos, cujo gap de aprendizagem em relação aos colegas se aprofundou. Para que o elevador social volte a funcionar, não bastará abrir as portas das escolas — é imprescindível ir resgatar lá abaixo as crianças que foram ficando para trás.