O que pode ser destacado nos resultados destas últimas eleições é a “vitória” da Aliança Democrática (AD), com 29.50 %, e a incapacitação do Partido Socialista (PS) na obtenção de maioria absoluta, com 28.66% dos votos. Não nos pode escapar que, caso o Partido Social-Democrata (PSD) não tivesse incorporado o Centro Democrático-Social (CDS) e o Partido Popular Monárquico (PPM) numa coligação, partidos considerados frequentemente à sua direita, jamais de poderia ter “orgulhado” de ter recebido menos que um ponto percentual adicional relativamente ao PS.

Mas o que colocou muita gente em bicos de pés (pelas melhores ou pelas piores razões) foi o resultado do Chega: 18.1 %. Este partido bem mais que duplicou o seu apoio eleitoral relativamente às legislativas de 2022 (nestas obteve 7.18 %). Alguns de nós trememos de medo. Medo da nossa própria existência ou simplesmente medo de que finalmente as nossas próprias ideias e a nossa mundivisão estivesse finalmente a ser rejeitada pelos eleitores e, aliás, pelo povo português. Houve outros que pensaram que Portugal se encontraria agora próximo da sua autenticidade e excecionalidade de antigamente, que vêm o Chega como um partido circunstancialmente desafiador do regime democrático e de eleições livres e não-manipuladas. Esses evidenciaram uma mistura de alegria e de fúria, pois nunca deixaram de confiar apenas em partidos marginais e com uma conformidade aos princípios da nossa Constituição (de proibição de associações fascistas e racistas) duvidosos. Houve outros ainda que reagiram como adultos. Uns que não ficaram surpresos com a percentagem atribuída ao Chega, compreendendo muito bem o vínculo que parte dos seus compatriotas revelam com este partido, e vendo-o como um membro responsável numa eventual titularidade de pastas num executivo ou como fiscalizador das atividades do governo. Outros ainda que votaram decididamente no Chega (quando não militantes) e que consideram este partido decisivo para a mudança na forma de fazer política em Portugal.

Quase um quinto dos portugueses parecem não ter ouvido um número significativo de artistas, académicos, políticos, professores e ativistas que usufruem da esfera pública para manifestarem o seu desagrado pela ausência de um pensamento uniformizado e conforme ao pior que Abril nos deu. Aqueles que haviam participado na conquista da democracia e da liberdade para exigir que fosse referido no preâmbulo da nossa Constituição a pretensão de “abrir caminho para uma sociedade socialista” exibiram o seu verdadeiro respeito pela efetividade dos valores de Abril. Não foi só a excecional celeridade da contagem de votos na freguesia de Algueirão-Mem Martins que nos deixou ora aborrecidos, ora cheios de humor. Foram também as publicações e os comentários de alguns dos nossos amigos, conhecidos ou de pessoas cuja popularidade e apoio nós estamos longe de compreender, dado o conhecimento e a experiência que temos vindo a acumular desde o chamado “fim da história”. Vimos, guardamos e tirámos print de posts que denunciam o suposto “racismo” e “xenofobia”, fenómenos esses que estariam “à solta em Portugal”, que fazem referência aos “48 fachos” eleitos como deputados à Assembleia da República, que lamentam que o Algarve tenha ficado inundado de “fachos” ou a revelarem-se surpresos por “mais de 1 milhão de portugueses” terem votado no “fascismo”. Para diversificar um pouco o vocabulário ainda temos a assunção do sentimento de “nojo desta merda” e a parabenização dirigida a quem votou “no ódio e na discriminação”.

Pode ser precisamente estes os momentos em que conhecemos verdadeiramente as pessoas que andam ao nosso lado ou que nos observam curiosamente de longe. Nunca esquecendo a beleza e o dever moral de distinguirmos as pessoas das suas ideias e mundivisões, não podemos ignorar que nem todos parecem aceitar o convívio e a concorrência saudável entre observações, comentários e propostas. A banalização de conceitos como “fascismo”, “ódio” e “discriminação” é uma falta de respeito por todos nós, tanto para aqueles que passaram por eles como aqueles que dão a cara por parte do debate sobre temáticas como o multiculturalismo, a transição demográfica, a evolução das estruturas familiares, o nosso regime fiscal, o funcionamento da administração pública, o nosso ordenamento jurídico-penal e a habitação. Todo este discurso a que nós temos vindo a habituar-nos vão no sentido da corrente de condicionamento da independência de pensamento de grande parte dos portugueses. Afinal de contas, ninguém tem coragem ou paciência para dialogar com “fachos”, não é verdade? Há tempo para apresentar argumentos a estes militantes “pseudo-anti-fascistas” e tentar convidá-los para uma mesa e conversar sobre como é que pensam como pensam e como se relacionam com outros da forma que se relacionam. Talvez um dia consigam livrar-se da sua intransigência e falta de vergonha e honestidade intelectual. Por enquanto, sejamos sérios e participemos nestas semanas seguintes, pois serão decisivas para a chegada de novas políticas públicas. Portugal chama por elas. Portugal, após quase uma década de amordaçamento, rejeitou o socialismo.

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