Enquanto os Estados Unidos continuam a ser a primeira potência económica, política e militar no mundo e a China ocupa cada vez mais solidamente o segundo lugar da tabela, a Rússia perde terreno devido às suas apostas políticas no campo da política externa.
O golpe militar no Sudão, que derrubou o ditador Omar al-Bashir, é o último exemplo do que foi dito. O Kremlin apostou no apoio político e militar a um regime podre e vê os seus interesses económicos e militares nesse país em risco. Quando o Tribunal Internacional já tinha emitido um mandado de captura contra Omar al-Bashir por crimes contra a humanidade, Vladimir Putin recebeu-o com pompa e circunstância na sua residência de férias em Sochi. E agora? Quem vai pagar o armamento fornecido por Moscovo à ditadura? Será que as novas autoridades irão garantir os interesses económicos russos e tolerar a presença dos mercenários da “Vagner” no seu país?
Os chineses também têm fortes interesses económicos não só no Sudão, como em toda a África, mas defendem-nos com a mestria daqueles que conseguem sair secos passando entre os pingos da chuva. Não lhes passa pela cabeça enviar militares para o outro lado do planeta.
O mesmo se pode dizer em relação à Síria, Venezuela e Líbia. Sendo situações conflituosas diferentes, o Kremlin comporta-se de igual forma, fazendo apostas arriscadas. É verdade que a intervenção russa na Síria contribuiu para a manutenção de Bashar Assad no poder, mas o que é que a Rússia vai ganhar com isso? Um ponto estratégico no Médio Oriente, mas que lhe está a ficar extremamente caro do ponto de vista económico.
Na Líbia, embora Serguei Lavrov e outros diplomatas russos afirmem apoiar a posição das Nações Unidas de reconhecimento do governo líbio de Tripoli e de estar a favor do diálogo entre as partes do conflito, é sabido que, ao mesmo tempo, Moscovo ajuda o rebelde marechal Khalifa Haftar com armas e homens.
Os mercenários da “Vagner” estão também presentes neste conflito e combatem ao lado das tropas de Haftar. O Kremlin desmente a presença militar russa, mas é mais do que sabido quem dirige essa organização (Evgueni Prigojin, mais conhecido por “cozinheiro de Putin) e que um dos seus objectivos é, entre outros, encobrir a presença russa oficial no terreno.
A guerra civil na Líbia está longe do fim e é difícil acreditar que a Rússia retire dividendos económicos de mais esta aventura.
A situação repete-se na Venezuela, a milhares de quilómetros do território russo. O Kremlin aposta num ditador odiado pela esmagadora maioria da população, oferece-lhe apoio militar, mas terá capacidade para normalizar a situação económica nesse país da América Latina? Para o conseguir fazer, deverá investir milhares de milhões de dólares, que terão de ser desviados do Orçamento de Estado russo.
A Rússia ainda está a pagar também a pesada fatura da invasão da Crimeia e da ocupação do Leste da Ucrânia. Podíamos também acrescentar a intervenção da Rússia na República Centro-Africana, mas é já claro que o Kremlin está a cometer o mesmo erro dos comunistas soviéticos: em nome de sonhos imperiais, que podem ter vários nomes como, por exemplo, “internacionalismo proletário”, “Moscovo – Terceira Roma”, “contrapeso ao imperialismo norte-americano”, etc., os dirigentes russos privam os seus cidadãos de uma vida mais digna e conduzem o país à bancarrota.
Num mundo em que a ordem (ou caos) é ditado pelos mais fortes, Putin pode chamar a si o direito de se comportar como os americanos. Trata-se de uma das explicações mais absurdas da propaganda russa actual, pois para isso não basta ter os tais mísseis invisíveis, que só o são porque ainda ninguém os viu a não ser em imagens demonstradas pelo dirigente russo. É necessária capacidade financeira para manter a máquina militar e propagandística ganhando, ao mesmo tempo, terreno no campo da modernização do país e da influência económica internacional.
Além disso, é indispensável que as empresas russas invistam no estrangeiro e, neste campo, as sanções económicas ocidentais vieram dificultar a sua actividade nos principais mercados. Resta o gasoduto “North Stream-2”, mas que irá funcionar apenas a 50% devido à legislação europeia que exige que metade do gás transportado por essa via seja exportado por empresas privadas, o que não acontece devido ao monopólio da Gazprom neste sector.
Durante a recente visita de João Lourenço, Presidente de Angola, os acordos conseguidos parecem apontar no sentido de uma maior diversificação nos contactos económicos e comerciais entre Luanda e Moscovo, o que vai de encontro à política proclamada por Vladimir Putin de “maior pragmatismo”. Mas este novo rumo poderá afogar-se na tradicional filosofia expansionista militar russa.
Um país como a Rússia, cuja economia constitui apenas 1% da economia mundial, não pode correr em ambições militares nem com os Estados Unidos, e nem sequer com a China. E o mais grave é que os senhores do Kremlin não aprendem nada com o passado, nem com o presente. Pequim não se mete em aventuras militares, mas tem interesses económicos cada vez maiores em todos os continentes. Se Putin imita a política chinesa, isso é feito para limitar as liberdades dos cidadãos e isolar o seu país do mundo. A ideia da criação de uma “Internet russa” é um bom exemplo disso.
P.S. Continuo a afirmar que a invasão da Crimeia pelas tropas russas em 2014 foi um erro fatal na política de Vladimir Putin. Ela desmantelou as pontes que se estavam a construir entre a Rússia e a União Europeia. Não obstante os erros cometidos por ambas as partes, a aproximação era uma realidade. Não sei se voltaremos a ter outra possibilidade de aproximação tendo em conta que Putin aposta claramente na destruição da União Europeia e esta última não consegue encontrar novos caminhos para sair da crise em que se encontra. Nenhuma dessas políticas promete bonança no Velho Continente.