O ataque aos navios ucranianos lançado pelas tropas do Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB) é mais uma prova de que o Kremlin faz letra morta do Direito Internacional quando este não vai ao encontro da sua política externa expansionista. Vladimir Putin tenta ultrapassar, nesta área, o seu homólogo norte-americano Donald Trump.

O confronto entre navios militares ucranianos e russos no Estreito de Kertch era previsível já há muito tempo, pois Moscovo pretende não só mostrar que é dono e senhor dessa passagem, mas também reforçar a ideia de que a anexação da Crimeia é um facto consumado.

Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, recordou que “o Estreito de Kertch não é um estreito regulado pelo Direito Internacional, é um estreito russo e não foi por acaso que tivemos de reforçar aí a presença dos nossos guardas fronteiriços e de militares depois de dirigentes ucranianos terem prometido começar a preparação para fazer explodir a Ponte de Kertch. Não ouvimos uma reacção adequada da parte dos nossos parceiros europeus”.

Os factos e documentos mostram que Serguei Lavrov mentiu. O acordo que rege o regime de navegação no Estreito de Kertch e no Mar de Azov, assinado por Moscovo e Kiev em 2003, considera que o estreito e o mar são territórios da Ucrânia e da Federação Russa, tendo estes dois países o direito de fazerem circular aí os seus navios comerciais e militares. Quanto a terceiros países, os seus navios só podem navegar aí se forem convidados por uma das partes.

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Quando este acordo foi assinado ainda uma das margens do Estreito de Kertch pertencia à Ucrânia como parte integrante da Crimeia, mas, depois da ocupação desta península por tropas russas, o Kremlin decidiu “nacionalizar” a única passagem entre os mares de Azov e do Mar Negro. A ligação de portos ucranianos estratégicos como Odessa e Mariupol, por exemplo, passou a depender da “boa vontade” do Kremlin.

No que diz respeito a tentativas de fazer explodir a ponte que liga a Crimeia à Rússia, não se pode excluir a possibilidade, embora pareça remota tendo em conta as medidas de segurança tomadas por Moscovo. Não querendo justificar este tipo de método de solução do problema da Crimeia, devo recordar que a construção da ponte é ilegal à luz do Direito Internacional.

A política russa naquela região é um passo arriscado porque, se um dia as relações entre a Turquia e a Rússia se deteriorarem seriamente, Istambul pode utilizar o citado conflito como precedente e impedir a passagem de navios russos pelos estreitos que controla entre os mares Negro e Mediterrâneo. O mesmo poderá acontecer nalgumas rotas do Mar Báltico.

A NATO, os Estados Unidos e a União Europeia apoiaram a Ucrânia nas palavras, pouco mais podendo fazer, a não ser que isto seja razão para mais uma dose de sanções contra a Rússia.

As explicações para esta acção das tropas russas podem ser várias. Nos últimos tempos, a popularidade do Presidente Putin regista uma séria descida no seu país e conflitos deste tipo podem resolver rapidamente esse problema. Além disso, o Kremlin pode ver nela uma forma de humilhar Piotr Poroshenko, Presidente da Ucrânia, na véspera de eleições gerais nesse país, marcadas para Março de 2019.

Neste mesmo sentido vai a decisão de Moscovo de não aceitar capacetes azuis na sua fronteira com as regiões separatistas da Ucrânia e, desse modo, impedir a realização do Acordo de Minsk. Tudo isso junto faz com que Kiev seja obrigado a concentrar na sua defesa meios financeiros importantes.

Irritado com as declarações do Ocidente de apoio à Ucrânia com promessas de envio de reforços em armamentos, Putin volta à sua tradicional política de “reacções assimétricas” para que os adversários não sejam tentados a envolver-se nos conflitos entre a Ucrânia e a Rússia.

Por outro lado, este confronto pode jogar a favor de Poroshenko, cuja popularidade é, actualmente, muito baixa e as sondagens mostram, nas eleições presidenciais, uma forte vantagem da sua mais perigosa adversária: Iúlia Timoshenko. O dirigente ucraniano não pode fazer figura de fraco, sendo talvez esta a razão que o levou a decretar a lei marcial por 60 dias.

O problema é que incidentes como o que ocorreu no Estreito de Kertch se podem transformar em sérios conflitos armados, com consequências imprevisíveis.

PS. Este confronto mostrou mais uma vez a impotência das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança. O direito de veto de cinco países neste órgão impede a tomada de medidas com vista à solução do problema.