Há três milhões de portugueses com problemas de saúde mental. Somos campeões europeus do burnout, da ansiedade, depressão e do consumo de psicofármacos. A falta de saúde mental em Portugal tem atestado da OMS, da UE, da OCDE – só não tem respostas do Serviço Nacional de Saúde, dos sucessivos governos, ou atenção partidária estruturada. Nesta campanha eleitoral, a saúde mental é a grande ausente e, fizessem-se sondagens, o estigma ia à frente em empate técnico com o preconceito. Não é coisa de malucos?

A falta de saúde mental em Portugal. Cerca de um terço dos portugueses tem sintomas e doenças mentais, e o SNS responde quase sem psiquiatras (que são apenas 3% de todo o universo de médicos em Portugal), quase sem psicólogos e com abundância de comprimidos: somos os primeiros da Europa no consumo de antidepressivos, segundos nos ansiolíticos – sessenta mil embalagens de psicofármacos por dia, que o Estado comparticipa alegremente.

Mas não há dinheiro para muito mais: do orçamento total da Saúde, míseros 2% vão para a saúde mental; os tempos de espera para primeira consulta de especialidade no SNS oscilam entre os três meses (para casos sinalizados como muito graves) e os quatro anos (os demais).

Tanta falha sai-nos muito cara, em sofrimento humano, em vidas perdidas em suicídios concretizados e tentados, em custos económicos: 5,3 mil milhões de euros de perdas de produtividade ao ano, dem milhões de dias de trabalho perdidos, para cima de 4% do PIB.

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Perante esta cenário, seria de pensar que governantes e partidos se apressariam a propor, fazer, tentar resolver esta crise de escala pandémica. Mas devotam-se sucessivamente à inação, com o descaramento politiqueiro de falar, de quando em vez, em prevenção. Agora que uma nova fornada de candidatos se perfila para nossa seleção, o que se propõem os partidos fazer pela nossa saúde mental? Em geral, o-quase-nada de sempre. Será estigma ou loucura? Ou falta de exigência dos cidadãos eleitores?

A saúde mental nos programas eleitorais. Sabe o que se tem dito sobre saúde mental nesta campanha? Absolutamente nada. Não há parangonas mentais-eleitorais, não há perguntas dos media e, comodamente, não há respostas. Resta-nos procurar as propostas nos programas eleitorais, e não basta um simples search, há que contextualizar as medidas.

Registo os meus interesses: sendo de esquerda e tendo sido dirigente nacional e deputada pelo PS, sou de generosidade extrema na crítica. A saúde mental não é uma questão ideológica, é um imperativo de sobrevivência – que os partidos do arco da governação & geringonças têm tratado com ignorância, desdém e omissão.

Os programas do PS e da AD são sintéticos e minimalistas – tudo o que se pretende face a um problema de saúde pública que afeta diretamente um terço dos portugueses…. No seu “Plano de Ação para Portugal Inteiro”, o PS propõe-se “melhorar o acesso a respostas de psicologia clínica e saúde mental” e “expandir as respostas do SNS”. Talvez seja de fazerem um refresh: quase não há acesso público ou respostas do SNS à saúde mental – querem melhorar e expandir o quê?

Já o “Programa Social e de Governação” da AD pergunta “porque é que é preciso mudar Portugal”, mas só depois de estabelecer metas para o país é que refere medidas para a saúde mental: resolver a questão das consultas de psicologia e apostar na prevenção comunitária, escolar e universitária.

São estes os grandes objetivos programáticos de Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro para a nossa saúde mental. Têm depois outras medidas que, tratando de aspetos diversos, tocam, avulsas, o tema.

A grande solução do programa do Chega é um “Cheque de Saúde Mental” e pouco mais diz – o que me faz particular sentido, tratando-se de um partido ideologicamente promotor de preconceitos. A CDU quer reforçar os cuidados de saúde mental com mais meios humanos e materiais e presença garantida “em todas as fases da vida, designadamente, em meio escolar e laboral”. O Bloco de Esquerda não quer deixar a “saúde psicológica” ao mercado, e parece autolimitado à psicologia, palavra que prefere quase sempre a “saúde mental”.

Naturalmente, todos os partidos querem resolver o problema do acesso aos cuidados de saúde mental, propondo aumentar o número de psicólogos no SNS. Aplaudo, claro! Até há poucos meses, existiam 299 psicólogos nos cuidados de saúde primária. Mas como é que vão fazer isto? Aumentam o orçamento para a saúde mental? E os psiquiatras e os enfermeiros, essenciais para a resposta à doença mental? E medidas substantivas, para guiar os recursos humanos?

São três os partidos que pensaram e propõem medidas estruturadas. A Iniciativa Liberal promete melhor acesso a cuidados de saúde mental por psiquiatras e psicólogos, a nível comunitário e privado, e proclama intervenção em áreas cruciais: uma “estratégia nacional de combate ao suicídio”, outra de “combate ao estigma social associado à doença mental”, educação para a saúde mental e literacia “em áreas de atuação chave para a sinalização, referenciação e comunicação”.

O PAN sublinha a falta de investimento e custos económicos da doença mental num diagnóstico honesto, mas de medidas curtas – embora de pernas mais longas do que as dos “grandes” partidos: integração de psicólogos, rede de psicologia no ensino superior, planos de prevenção de riscos psicossociais e equipas de saúde psicológica nas organizações.

Mas é o Livre que apresenta um verdadeiro programa para a saúde mental, holístico e completo, com medidas concretas que, ouso afirmar, não são questões ideológicas mas de bom senso: integração, arte terapia, acesso a cuidados de enfermagem de saúde mental e psiquiatria, medidas de literacia em saúde mental, de promoção da saúde mental nas organizações e empresas, de prevenção do suicídio e de combate ao estigma – numa frase, “tornar a saúde mental uma prioridade de todas as políticas públicas”.

O tema deveria merecer muito mais atenção por parte dos partidos e, claro, a campanha eleitoral seria um período perfeito para o abordar. A este respeito, a Ordem dos Psicólogos Portugueses promoveu um debate sobre os contributos da psicologia para o futuro com representantes dos oito partidos com assento parlamentar. Todos elogiaram as propostas concretas apresentadas pela Ordem aos partidos, mas apenas um, o PS, incorporou os números propostos no seu programa.

Votar com a mente. A responsabilidade por este cenário eleitoral desolador também é nossa. A omissão da “oferta partidária” resulta da passividade da procura: se não exigimos soluções e continuamos a votar sem lhes perguntar o que se propõem fazer pela nossa saúde mental, este estado de coisas não muda. E, com o diagnóstico feito, a receita não é mágica mas é óbvia: temos de apostar tudo na prevenção, de reagir melhor à crise instalada, de reintegrar quem recupera.

As proposta de prevenção devem centrar-se na educação: a OMS explica-nos que 50% das doenças mentais instala-se até aos 14 anos, e outros 25% até aos 24 – temos de ensinar gestão das emoções desde o infantário. A reação é tarefa transversal, com enfoque num SNS que dedique ao menos 15% do orçamento à saúde mental. Porque loucura é continuarmos a votar em políticos que ignoram olimpicamente a nossa sanidade.

Marta Rebelo é ativista e consultora de saúde mental. Estratega de digital media, keynotespeaker, autora e cronista, considera-se “ex-deprimida e ansiosa ocasional”. É Mestre em Direito, foi assistente universitária e deputada à Assembleia da República pelo PS.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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