Desde que o governo PS chamou os credores externos para evitar a bancarrota iminente, são inúmeros os que alimentam a ideia de que os problemas do país se resolveriam saindo do euro. E já há vários agrupamentos políticos, assim como personalidades com responsabilidades, que proclamam: “Portugal não tem futuro na zona euro”. É o caso do economista João Ferreira do Amaral. Honra lhe seja feita, já dizia o mesmo antes de o governo Guterres aderir à moeda única com aquele brado patético: “Estamos no pelotão da frente”!
Mais tarde, Ferreira do Amaral não hesitava em juntar-se ao secretário-geral do PCP para defender a saída do euro, segundo eles, a fim de “evitar o ‘directório’ e o ‘domínio’ alemães” (DN, 19/3/2013). No fim de semana passada, foi o Expresso que dedicou uma página inteira para anunciar um novo livro de Ferreira do Amaral – desta vez com Francisco Louçã – intitulado: “A solução novo escudo. O que fazer no dia seguinte à saída de Portugal do euro”. Pelas entrevistas do semanário com os autores, a saída do euro é aquilo que ambos desejam e percebe-se que os seus votos para a situação portuguesa, depois de mais de três anos de inesperada resiliência, são o habitual “quanto pior, melhor”! E não se trata apenas de finanças nem de economia.
Com efeito, a questão do euro está longe de ser exclusivamente financeira. Desde logo, “sair do euro” é fácil de dizer mas ninguém sabe como fazê-lo. Uma decisão dessas equivaleria a algo de inédito na história monetária. Não é por acaso que os dois economistas dizem preferir que essa saída fosse feita de forma concertada com as autoridades europeias, mas não se perguntam por que razão ninguém falou até hoje na UE em tal concertação.
É certo que o coro dos atlantistas que dominam as bolsas anglo-americanas não esconde o desejo que os PIIGS saiam do euro como primeiro passo para a derrocada da moeda única. O facto é que, apesar dos sentimentos contra o euro prevalecentes em Itália por exemplo, quem caiu foi Berlusconi e não o euro. Ainda se evocou a hipótese de os “ricos” do euro, a começar pela Alemanha, correrem com os PIIGS do seu clube de luxo. Mas não. Possivelmente, tiveram receio do que poderia acontecer aos seus próprios países se expulsassem os “pobres”. Pelo contrário, a resiliência da moeda única – entretanto, entrou mais um país para a zona euro, a Estónia! – traduziu-se em novos instrumentos de governação e sustentação da união monetária e, por essa via, da própria UE.
Os dois economistas bem apresentam uns dados avulsos anunciando taxas de desvalorização do novo escudo, cujo mínimo variaria entre 30% e 42,86% (sic) em relação ao euro, conforme houvesse acordo ou não com as instituições europeias… Mas quem nos diz que não seria 100% em pouco tempo? Entretanto, segundo estes aprendizes de feiticeiro, o Estado teria de compensar a desvalorização dos depósitos, assim como garantir o fornecimento de petróleo, etc., mas não dizem com que dinheiro. Só poderia ser o da máquina de imprimir o “novo escudo”. Quanto à quebra real dos salários, seria apenas de 6,5%, prometem eles, mas isso seria suficiente, com mais uns 10% de inflação – porque não os 20% ou 30% que tivemos antes de aderir à CEE? –, a fim de pôr finalmente a economia portuguesa a crescer a sério, coisa que já não acontecia muito antes da crise. Acredite pois quem quiser…
Com efeito, a questão do euro também não é meramente económica, como se bastasse imprimir nova moeda desvalorizada e investir os escudos impressos pelo Estado para criar o tal desenvolvimento que todos ambicionam. É certo que a desvalorização da moeda, a inflação subsequente e a diminuição dos salários reais fariam com que pouca gente pudesse apanhar o avião para o estrangeiro, mas essa e outras poupanças de divisas não chegariam para equilibrar a balança de pagamentos nem, muito menos, para pagar o juro da dívida (não falemos do capital).
E é por isso que os dois economistas voltam à sempiterna reestruturação da dívida da qual, porém, continuará a ser proibido falar na UE. Ao contrário do que é insinuado, Portugal não precisa de autorização para sair do euro; somos soberanos. Portugal precisa de autorização é para ficar no euro, ou seja, tem de seguir as regras. E talvez também não precise de autorização para deixar de pagar a dívida; podemos experimentar; o que não podemos é voltar junto dos credores para nos emprestarem mais dinheiro.
A questão do euro é, pois, eminentemente política. A prova está na proclamação do texto: “Tudo é melhor do que 20 anos de protectorado”! O termo é inequívoco. Trata-se de uma óbvia manifestação desse “soberanismo” – “somos donos da nossa casa!” – em que o nacionalismo de esquerda e o de direita se dão as mãos. Assim se nega o mundo em que vivemos e se ignora que, em Portugal, foi raríssimo haver equilíbrio orçamental e externo nos regimes liberais; só em ditadura e a que preço. A não ser que seja disto que os proponentes da saída do euro estão a falar sem o saber ou, pior, sabendo-o muito bem. A saída do euro colocar-nos-ia de novo a quilómetros da Europa! É isso que queremos?