A menos de 24 horas do prazo dado pelo Eurogrupo à Grécia para pôr por escrito as medidas a tomar nos quatro próximos meses da «ponte» pedida pelo governo grego a fim de receber o dinheiro de que o país precisa desesperadamente, ainda é cedo para saber se a sua proposta será aceite ou se será necessária mais uma reunião do Eurogrupo na semana que vem para prorrogar ou não o programa de ajustamento grego.

Há, com efeito, muito a assinalar e qualquer destas questões é um indicador para entender se temos estado apenas perante uma escaramuça que antecede a batalha, como pretende hoje no Financial Times o eterno adversário do euro, Wolfgang Münchau, que esperava que desta vez fosse o Syriza a resolver o alegado problema da sua detestada moeda única; ou uma batalha que antecede a guerra, como pretende Tsipras, numa arenga para consumo interno onde são irreconhecíveis os termos da generalidade dos intervenientes e observadores, incluindo Münchau, acerca do que se passou na sexta-feira passada, ao proclamar que «o acordo deixou para trás a austeridade»?!

Comecemos por relembrar o básico. A Grécia foi o primeiro país intervencionado pela «troika» (2010) com um programa semelhante aos futuros ajustamentos na Irlanda e em Portugal; recebeu muito mais dinheiro dos credores do que qualquer outro país; já teve um perdão significativo; também já teve um segundo resgaste; paga menos juros do que toda a gente e prepara-se para prolongar o programa de ajustamento por quatro meses, se não tiver de pedir novo resgate, a menos que saia do euro, como parecem pretender alguns ideólogos do Syriza. A Grécia continua portanto intervencionada, quando todos os outros países já saíram dos seus programas. Pior do que isso, viu o seu PIB reduzir 25%, ou seja, quatro ou cinco vezes mais do que o dos outros países.

Como é que isso se explica? A responsabilidade é da eurozona? Como, se as condições eram as mesmas para todos? Se existe esta diferença abissal entre os resultados do ajustamento na Grécia e nos outros países, a responsabilidade só pode ser de quem o aplicou, ou seja, dos sucessivos governos gregos que não foram capazes de gerir as suas obrigações, como de resto nada leva a crer que o actual governo seja capaz de o fazer. Se me enganar, tanto melhor!

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A diferença grega reside mais na sua cultura político-partidária do que propriamente na economia. A responsabilidade da crise não é só dos dois antigos partidos rotativos. É também dos outros, como o próprio Syriza, bem como dessa parte do eleitorado que apoiou este último na esperança de escapar aos impostos e de não pagar as custas dos sucessivos empréstimos. A prova disso é que, ao contrário de Tsipras, que afirmou contra toda a evidência que «o acordo deixou para trás a austeridade», o seu modelo inspirador, Manolis Glezos, o carismático líder histórico da antiga esquerda grega, hoje nonagenário, já se apressou a declarar que o Syriza tinha reagir contra o dito acordo.

Entretanto, é previsível que a oposição grega desmonte também as cedências que o Syriza foi obrigado e contabilizá-las a seu favor. Como era de esperar, governo grego está a ser criticado à esquerda e à direita. Seria bom que o Syriza estivesse mais perto de pedir um terceiro resgate do que sair do euro, como sempre sonhou mas não teve dinheiro nem querer suficientes, mas isso é cada vez menos certo. Em compensação, é cada vez mais provável que o PS português seja visto como o Syriza: entradas de leão e saídas de sendeiro, como já se disse, para não falar do PCP, do BE e dos mini-Podemos. E é seguro que as pessoas não se esquecerão de quem pediu e assinou o programa de ajustamento português!

Restam dois pontos inter-relacionados. Um é rápido: caíram aparentemente por terra as ameaças do Syriza de levar a Grécia para o bloco anti-americano e anti-europeu da Rússia (e da própria China) que chegou a utilizar como forma de chantagem. Era isto que Obama temia e por isso intercedia em favor da Grécia, mas também é do interesse europeu que os gregos fiquem na UE e na NATO. A concertação ocidental é uma parte necessária da construção da Europa, a um título diferente, mas não menor, do que a «moeda única».

Ora, como já aqui foi observado, até agora a UE desapontou uma vez mais todos aqueles que, à esquerda como à direita de um federalismo à europeia, esperam todos os dias pela desintegração do euro e da própria União. A esta hora, se algo mudou, foi o facto de a eurozona ter saído reforçada da batalha e ter mostrado possuir capacidade para ganhar a guerra, se jamais o Syriza vier com mais chantagens.

É aliás o que acontecerá possivelmente, pois nada leva a crer, infelizmente, que o governo grego seja capaz de montar um sistema convincente para acabar com a corrupção e a evasão fiscal, além dos corporativismos tecidos, à vez, pelo PASOK e pela Neo-Democracia, como aqui também ainda sucede, mas não seria seguramente o PS que lhes poria fim tão cedo. Uma coisa parece certa: daqui até às nossas eleições legislativas, a evolução da situação grega não deixará de se reflectir em Portugal de forma negativa para as veleidades do PS e dos seus aliados actuais.