A reunião de sexta-feira dos países meridionais da Europa – chamemos-lhes os “Med”, como já são conhecidos por más razões — pode e deve ser considerada um acto deliberado de desunião europeia, contra as regras explícitas e implícitas da UE. Pode ser a primeira e, ao mesmo tempo, a última reunião de um grupo de países contra os outros ou alguns em particular, como a Alemanha, conforme admite Teresa de Sousa no Público, mas também pode não ser a última. Constituir-se-ia assim num novo acto de oposição deliberada ao projecto europeu após o Brexit, como a mesma jornalista também admite.

O carácter eleitoralista desta reunião dos “Med” contra a proclamada austeridade imposta pela Alemanha e os seus acompanhantes é evidente. Basta reparar na presença de Hollande, a pensar unicamente em como há de ser reeleito Presidente da França, mas também em Renzi, que joga em breve o seu cargo de primeiro-ministro na Itália, para perceber que a reunião é, para os dois maiores países do Sul da Europa, um acto de campanha eleitoral que em muito pouco ou nada afectará as políticas financeiras e económicas desses países a prazo.

E basta pensar, por razões inversas, na ausência de Rajoy, em plena disputa pela sua nomeação como primeiro-ministro de Espanha, o qual obviamente não quer ser confundido por ninguém, nem dentro nem fora de Espanha, com Tsipras ou Costa. Foram este quem promoveu a “cimeira”, se não para obterem o perdão da dívida com que sonham, pelo menos para dar satisfação aos seus eleitorados de esquerda perante o desaire manifesto das políticas de recuperação económica na Grécia e em Portugal. Rajoy, cujo país é o que mais cresce na Europa, mesmo sem governo ou talvez por causa disso, não quer evidentemente ser visto na companhia de socialistas, e faz bem!

Dito isto, não é impossível que a reunião dos “socialistas Med” ganhe foros institucionais no próximo encontro oficial da UE a realizar em Bratislava na semana que vem. Ora, depois de um Brexit do qual mais de metade dos britânicos (e sobretudo de escoceses) já está arrependida, isso significaria uma nova machadada nesse inédito e árduo – mas profundamente revolucionário – projecto europeu federalizante em curso que vai fazer 60 anos em 2017. Já não é pouca coisa. É mais provável contudo, que mais esta manifestação da “desordem internacional” em que vivemos, como a designei há pouco tempo, fique por aí entregue à falta de alternativas da “cimeira de Atenas” perante as políticas europeias…

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Já no plano nacional, e porventura grego, esta campanha contra a “austeridade” alegadamente reinante nos países do “euro” (é útil recordar que Portugal está entre 35.º e 39.º dos países mais ricos do mundo, segundo as fontes), não só visa mais longe como tem mais do que uma remota possibilidade de êxito, sobretudo se os actuais grupos políticos dominantes em Portugal e na Grécia saírem da moeda única europeia, como hoje é abertamente reivindicado por todos os soberanistas de esquerda. Quanto aos soberanistas de direita, que não são tão poucos como isso, nem fazem ideia do que lhes aconteceria se e quando Portugal saísse da União Europeia.

É bom que se perceba que cimeiras aparentemente inocentes como a de Atenas, onde Tsipras e Costa procuraram instrumentalizar o pseudo-esquerdismo eleitoral de Hollande e de Renzi, aquilo que visam é pôr em causa o “euro” e as suas necessárias regras de funcionamento, que como se viu garantem muito mais prosperidade do que austeridade, ao mesmo tempo que possuem, como é o caso da UE, os melhores sistemas de reforma e de saúde, bem como os mais sofisticados sistemas de protecção do ambiente, etc., etc.

Ora, hoje, perante o Brexit, assim como perante o crescente isolacionismo norte-americano, já praticado por Obama e agora garantido por Hillary Clinton se quer ganhar a votação contra Trump, ou seja, perante essa conhecida falta de apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos, a UE está demasiado comprometida com o êxito da moeda única para aceitar que países recalcitrantes e sem peso, como Portugal e a Grécia, pretendam não cumprir as regras — serão provavelmente convidados não só a abandonar a moeda única como também a sair da UE (e depois vão buscar o crédito onde lho derem…).

Nada que faça hoje tremer os olhos do antigo chefe de gabinete desse Mário Soares que nos levou para a Europa em 1985, contra os soberanistas nacionais de todos os matizes, a fim de preservar o bem essencial que o 25 de Abril nos assegurou até hoje – a democracia. Ora, é esta que estaria muito seriamente em causa no dia em que Portugal e a Grécia saíssem do “euro” e da UE. Em contrapartida, quem não sairia de certeza do governo eram os que lá estão agora enquanto o país empobreceria minuto a minuto, sobretudo os mais pobres… E é isso que convém acautelar desde já. A democracia é o primeiro benefício de uma moeda única pela qual todos os países membros da União respondem. É por isso e não só que sou 100% a favor da União Europeia!