Com a mediatização da Justiça, especialmente nos casos em existe suspeita de corrupção, não tardaram a surgir novas e curiosas questões, especialmente nos crimes contra a honra. Concretizando: num sistema que não apenas consagrasse, mas realmente assegurasse, o chamado segredo de justiça na fase de inquérito, os documentos, factos ou declarações constantes do processo judicial naquela sua fase inicial, nunca viriam a ser do conhecimento público. Assim, se durante a instrução, se viesse a concluir que não existia sustentação para a prova da prática de algum crime, o processo seria arquivado. É isto que acontece diariamente com dezenas de casos, que por não envolverem nenhuma chamada “figura pública”, falecem prematuramente no inquérito penal, sem que alguma vez as alegadas “provas” para aí trazidas pelos queixosos ou denunciantes, afinal infundadas ou falsas, venham a ser divulgadas. É assim que o sistema deveria funcionar para segurança de todos.

Tudo isto se altera, quando o denunciado – que se torna formalmente arguido após a denúncia, ainda que sem acusação – for uma das chamadas “figuras públicas”. A sua condição de arguido – uma figura jurídica que não se confunde com culpado e que até existe para proteção do próprio acusado – acabou socialmente por se tornar um anátema.

Se é arguido, desde logo se inicia uma espécie de suspeita generalizada, que ou é culpado, ou pelo menos meio culpado. A isto não é alheio, o facto de ainda hoje, a generalidade das pessoas continuar a desconhecer que ela própria pode ser constituída arguida em algum momento da sua vida, só porque qualquer pessoa perturbada se queixou de um crime por ela alegadamente cometido e que até ao termo do processo de inquérito, que determinará o arquivamento da queixa por infundada, é considerada arguida perante a lei.

Felizmente, quando não envolvem uma dita figura pública, estes casos infundados nunca saem das paredes da esquadra da polícia ou do gabinete do Ministério Público, porque além do próprio visado, ninguém mais se interessa pelo caso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em qualquer processo penal num Estado de Direito, as provas, sejam a transcrição de escutas telefónicas, declarações, depoimentos de testemunhas ou documentos – legalmente obtidas pela acusação – são tornadas públicas, seja porque ocorreu violação do segredo de justiça durante o inquérito, seja porque processualmente já deixam de estar sujeitas a tal segredo.

A partir dessa divulgação, passa, objectivamente, a haver duas “entidades” distintas a opinar sobre o caso. A primeira, o Tribunal que tem de conduzir o processo até um final, com condenação ou absolvição. A segunda, a opinião pública, que perante o conhecimento das provas, também vai formar a sua opinião, que naturalmente não conta para a decisão judicial.  Uma vez concluído o julgamento, para o arguido o que interessa é ser absolvido. Para a opinião pública, que tomou conhecimento das provas, cada um “faz de juiz” e entenderá que o Tribunal julgou bem ou mal, mas deve conformar-se com a decisão. Não pode, publicamente, continuar a imputar ao acusado um delito de que foi absolvido. Se o fizer, está a cometer um crime contra a honra do visado.

Mais incómoda é a situação, quando o Réu é absolvido do crime de que vem acusado, apenas pelo facto das provas que o incriminam não terem sido obtidas legalmente. São os casos de escutas telefónicas ou buscas realizadas no âmbito de uma investigação policial, mas sem autorização ou mandato emitido por um Juiz. Esta prova fica irremediavelmente comprometida e se não existirem outras provas que incriminem o acusado, a sentença será de absolvição. Esta absolvição não significa que o Juiz entenda o réu como inocente. Como poderia considerá-lo inocente, se o Juiz viu as provas? O que não poderá é condená-lo, porque excluídas as provas obtidas ilegalmente e não havendo outras trazidas ao processo, terá de o absolver. Convém sublinhar que a sentença de absolvição, em nenhum trecho dirá, ou sequer tem de dizer, que o Réu é inocente. Dirá, simplesmente, que não foi provado o crime de que vinha acusado e, por conseguinte, fica absolvido da acusação.

Mas o cidadão que tomou conhecimento das referidas escutas, documentos ou declarações através da comunicação social, que sabe que apesar de obtidas irregularmente não foi colocada em causa a sua veracidade, está vinculado a considerar que o acusado não cometeu o crime, só porque o tribunal não pôde considerar a prova? É uma situação muito delicada e para a qual o mais avisado é aguardar as decisões dos tribunais em processos intentados por crime de difamação a antigos réus absolvidos naquelas circunstâncias, que  exigem ser tratados com a honra que entendem ser-lhes devida, como se nada se tivesse passado.

Nos crimes contra a honra, é sempre permitido ao acusado de difamação, como causa de exclusão da ilicitude, provar a verdade das imputações ou demonstrar que tinha fundamento sério para, em boa fé, as reputar verdadeiras.

Ou seja, quem viu numa televisão, ouviu numa rádio ou leu num jornal, não na darknet , mas em entidades legais e regulamentadas, escutas telefónicas ou documentos, cuja veracidade não foi questionada, mas apenas a regularidade da sua aquisição como prova num processo crime e que só por isso, não conduziram a uma condenação, não deve acreditar, em boa fé, que as provas são verdadeiras?

É uma pergunta cuja resposta, por ora tem de permanecer em aberto, mas acreditamos que é consensual, que a contenção verbal será sempre o mais aconselhável entre todos e sobretudo entre as ditas figuras públicas.   Os tribunais, há muitos anos a rebentar pelas costuras, dispensarão certamente ter de julgar inutilidades e feiras de vaidades entre virgens e ofendidos.