No dia em que a Ucrânia assinala o 30º aniversário da sua independência em relação à antiga União Soviética, representantes de mais de 40 países reuniram-se em Kiev na “Plataforma da Crimeia”, considerada pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski um histórico ponto de partida para a formação de uma “poderosa coligação internacional para libertar a Crimeia da ocupação da Federação da Rússia”.

Em 2014, tropas especiais russas ocuparam aquela península que, segundo o Direito Internacional, é território ucraniano.

Porém, é muito difícil que esse objetivo se venha a concretizar a curto, médio ou até longo prazo. O mais realista seria pensar em como defender a integridade territorial da Ucrânia face aos apetites do Kremlin, tanto mais depois da fuga desorganizada das tropas dos Estados Unidos e da NATO do Afeganistão.

Os dirigentes ucranianos tinham esperanças de que os mais de 40 países se fizessem representar pelos seus mais altos dignitários, mas tal não aconteceu. Kiev queria ver nessa assembleia, por exemplo, Angela Merkel, chanceler alemã, mas ela, que visitou a capital ucraniana uns dias antes, decidiu não participar. Merkel alegou que ela e o ministro dos Negócios Estrangeiros estão ocupados com a crise afegã e enviaram o ministro da Energia.

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Na conferência de imprensa realizada após a cimeira Zelenski-Merkel, esta foi confrontada por um jornalista ucraniano que lhe perguntou “se não está a fazer um favor à Rússia”, tendo ela respondido que não e sublinhado que a Alemanha não reconhece a ocupação da Crimeia por Moscovo.

Zelenski enviou também um convite a Vladimir Putin para participar na “Plataforma da Crimeia”, mas a resposta veio do cada vez menos diplomático Sergey Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, que chamou aos participantes da reunião “biscateiros”, frisando que “o Ocidente irá continuar a apoiar as disposições neonazis e racistas da actual direcção ucraniana”.

Após a debandada das tropas norte-americanas e da NATO do Afeganistão, nos países vizinhos da Rússia são muitos os cidadãos que se interrogam se os Estados Unidos e a Aliança Atlântica os apoiarão em caso de pressão ou de agressão militar. O fantasma do pacto Molotov-Ribbentrop ganha nova vida.

Tanto mais que Moscovo foi quem mais se regozijou com este fracasso do chamado Ocidente. Não só porque tropas norte-americanas abandonaram a Ásia Central, que a Rússia considera sua zona de influência, mas também porque essa retirada lançou receios nos países vizinhos. Parafraseando uma conhecida palavra de ordem da nossa política interna, “Quem se mete com a Rússia leva!”

Além disso, Moscovo espera que os problemas internos nos Estados Unidos e a respectiva política de contenção da China desviem as atenções de Washington para outros horizontes. Todos esses factores deveriam provocar não só preocupação na União Europeia, mas levar os seus membros a concentrar-se na elaboração de uma sólida política de defesa comum.

Quanto aos riscos que trouxe e trará para a Rússia a vitória dos talibãs no Afeganistão, os dirigentes russos não os escondem, mas dizem estar prontos para qualquer cenário. Neste momento, apostam em conversações com os talibãs, mas não descartam a possibilidade de intervenção militar caso os seus aliados na Ásia Central – Tadjiquistão e Uzbequistão – sejam alvo de ataques lançados a partir do território do Afeganistão.

Como afirma a propaganda: “Se Lavrov não conseguir fazer, Shoigu [ministro da Defesa] faz.” Mas, a julgar pelas palavras de Putin, talvez Lavrov seja suficiente. “Não revelarei um grande segredo se disser que a nossa diplomacia ocupa uma posição ofensiva activa. Por vezes, tenho de lhe recordar [a Serguey Lavrov”] que ele não é ministro da Defesa, mas dos Negócios Estrangeiros” – declarou Putin, recentemente, numa reunião com membros do partido “Rússia Unida”.

A propósito, Lavrov e Shoigu estão nos primeiros lugares da lista de candidatos dessa força política dirigida por Putin. As eleições parlamentares irão realizar-se entre 16 e 19 de Setembro e, embora nelas participem 14 partidos, nada terão de democráticas. O Kremlin tudo fez para impedir que a oposição extraparlamentar apresentasse os seus candidatos, foram encerradas numerosas páginas na interenet de Alexey Navalny e de outros dirigentes da oposição, dezenas de jornais da oposição foram considerados “agentes estrangeiros”.