15th July 2020
Esta terra de Santo André está moribunda, foi picada pelo CV19 até ao âmago, não há ventilador que lhe valha. Se não repare: os estudantes da Universidade sumiram (cerca de 8.000); os golfistas também, eram cerca de 2.000 por dia; e os passantes estão nos mínimos! Além dos campos de golf, os hotéis e restaurantes também estão vazios, e a economia dos cerca de 15.000 habitantes está de rastos.
Mas alvíssaras!: nesta aldeola fenecente, reabriu hoje o Clubhouse do meu querido Royal & Ancient Golf Club of St Andrews, R&A! Mas, oh, mas!, a que preço! Custa muito dizer que o ambiente está a ficar rarefeito desde 2004, ano em que resolveram criar empresas à parte para amealhar as receitas de milhões, sobretudo oriundas dos direitos de transmissão por TV do British Open (que são nossos). Depois, em 2014, a esmagadora maioria dos sócios votou a favor da admissão de senhoras, não sem que antes tivesse desaparecido uma gravura do Edmund Hillary muito bem apanhada, em que, ao ser o primeiro a chegar ao topo do Everest pela primeira vez na história diz para o Sherpa: “foi mais fácil chegar aqui do que uma mulher entrar no R&A”. Mas repare: o eterno feminino refrescou muito o ambiente que, de sizudo, passou a garrido. Sobretudo quanto a saias curtas e provocantes, decotes profundos, e o alarido afim a causar rachas nos copos e nas paredes. Foram coisas que vieram alterar os sussurros do Big Room e da sala de jantar. O costume de, no fim da partida de golf, senhores recém mudados e duchados, de blazer azul escuro e gravata do club, apenas a falar de golf (política, negócios e sexo, fora de questão!), isso ficou muito abalado. E hoje dia 15 de Julho, mais uma machadada na circunspeção deste monumento da Velha Albion. Não só nos foi permitido estar no Big Room e na sala de jantar sem blazer nem gravata e ainda vestidos à golf (sem duche, pfff…), como tive que encomendar de véspera o meu duplo gin tonic para me recompor depois dos 18 buracos no Old Course!!! E, por causa do distanciamento social, dois terços dos móveis foram para o armazém: aquilo está bizarro!
Mas quem sou eu para julgar! Os tempos e o vírus viram tudo do avesso, mas sempre foi assim ao longo dos séculos, mais peste menos peste, mais guerra menos guerra. A propósito de julgar, fico sempre agradado aqui na Great Britain com a absoluta discrição dos juízes e dos media até às sentenças de arguidos e réus nos tribunais. E os media, se se atrevem a passar o risco vermelho e falam antes de tempo, pagam pesadíssimas multas. O que me deixa boquiaberto é aquilo que se está a passar na Lusitânia: detalhes dos processos são divulgados nos media até ao penúltimo detalhe não só antes das sentenças, mas sobretudo antes dos julgamentos. E os arguidos e réus, culpados ou não, são degolados na Praça do Comércio em Lisboa, ou na Praça da Liberdade no Porto muito antes da sentença. Quando são absolvidos já é tarde: foram liquidados! Mas nesse cafarnaúm lusitano, o opinianómetro está no auge. Imagine que nas televisões lusitanas há uns influentes comentadores que destroçam juízes até ao osso, por causa de decisões que lhes desagradam! C’os diabos: por piores que lhes pareça, são juízes! E malhar no juiz A ou B dessa forma tão abrasiva abala o já frágil estado de direito Lusitano, digo eu, que nada tenho com isso!
Já agora aproveito para perguntar se o Hans, que tem toda a gente a seus pés, não conhece um tal Melo (não estou certo que tenha mais ls..) que é quem manda num Hospital de Infante Santo, da CUF, lá em Lisboa. Telefonou-me o nosso comum amigo Egas da Costa Moniz, muito ralado com o que se passou com ele: primeiro, na entrada 1 onde foi fazer uma Ressonância Magnética, foi uma gritaria e um alarme tremendo para os já fragilizados pacientes que esperavam vez e foram afastados, por que “vão passar dois covids!”; depois por que após longa espera, disseram-lhe que a máquina avariara e sugeriram que esperasse pelo técnico da Siemens!; preferiu marcar o exame para outro dia, e à segunda, disseram-lhe que estava com sorte, pois aquela máquina onde o meteram era bem melhor que a outra (por natureza “pior”!); finalmente, por que, passados uns dias, quando lá voltou para ouvir o veredicto do Senhor Doutor, grande profissional e melhor pessoa, as imagens não estavam no sistema, parece terem ido à viola, e o veredicto foi feito por telefone, o Costa Moniz não soube por quem. Parece que vão fechar tudo e mudar para um hospital novo em Alcântara. Enquanto isso, e apesar dos médicos e enfermeiros terem fama do melhor, os doentes que se amanhem com o que há, tudo em aparente decomposição rápida.
Yours ever
18 Juli 2020
Hoje sirvo-lhe um aperitivo, uma espécie de Dry Martini. Excepcionalmente, o papel em que lhe escrevo não é o meu pessoal, mas o timbrado já com o NOVO logo e o sempre presente melro da Woschiems, cada vez mais impante e ufano. E, como todo o Dry Martini que se preze, é acompanhado de azeitona e casquinha de limão, pelo que peço o beberrique entre o passado (anos 50 e 90, os dois primeiros melros) e a amostra de criatividade de 2020:
O melro pia na família Hoffmann há centenas de anos, e na empresa desde 1950. Foi redesenhado nos anos 90, e agora, em 2020, muito mais “à moda”! Como pode ver por uma das fotos que aqui lhe envio, o logo posiciona-se muito bem entre a Tesla, a Amazon e a Google! Desde os contentores, aos chips fabricados em Silicon Valley, à vestimenta de milhares de colaboradores das nossas 111 fábricas, aos PCs, aos copos de vinho da trotinette nova do grupo, nada foi poupado. Eis a trotinette: o nosso novo mini jet Gulfstream G650 que tem autonomia de 12.000Km, dá para chegar daqui a Tokyo sem escala, com o melro sempre a piar melodicamente…
Ou seja, já está tudo em ponto de rebuçado para ser apresentado! Mas por enquanto é só entre nós, suplico-lhe!
O William tem que se encontrar com o Thomas Mayer (mais conhecido por Henkel) que, com a ajuda do Jupp Bravwetter cuja genialidade resulta do sangue lusitano que lhe faz bater o coração, fizeram este trabalho fabuloso! Vai conhecê-los aos dois e ao Elon Musk num jantar para que (amainados os amúos…) o vou convidar!
Mas, se quer que lhe diga, considero este sucesso de imagem de marca, irreal!
E, tal como a Apple, estou feliz, e a aplaudir, pois vou continuar a investir ainda mais na Irlanda. O IRC é apenas de 12,5%, permitindo às nossas unidades de Silicon Valley nos USA um acesso muito competitivo ao mercado da União Europeia. Ora a Comissária europeia Margrethe Vestager estava a sonhar com peixinhos à moda staliniana de Bruxelas, ao querer alterar a lei fiscal da própria Irlanda, e fazer com que a Apple pagasse cerca de €14 biliões de impostos às taxas de IRC europeias. Mas ela levou com o xissa (curiosa expressão lusitana!) do próprio tribunal da UE, que numa sentença histórica mandou a Apple em paz. Ficou desacreditada, e o pesadelo de uma união fiscal na UE ficou arrumado.
Na Lusitânia é que já investi que chegasse: os impostos estão proibitivos e os custos de energia são tão abusivos que andam a querer levar para a cadeia quem mexe nisso mansamente; as leis contradizem-se umas atrás das outras pois quem as faz, coitados, não estão lá muito bem preparados; os da rosa em punho, apesar da nossa adorada Lusitânia precisar do investimento estrangeiro como de pão para a boca, querem acabar com o sector privado; os rosados, que mandam, tanto insultam o nosso húngaro Orban, como depois lhe vão dar beijos na boca e chamar-lhe Tarzan; o maquiavélico Santos Silva (que, ora um dia parece um doce de voz meiga no Ministério dos Negócios Estrangeiros, ora no dia seguinte sente-se controleiro soviético e arreganha o dente com leveza) e anda-vos a acusar aí na Grande Britânia de não respeitar tratados com 600 anos por vocês não poderem ir a Lisboa com medo dos vírus às centenas que não há quem os trave nessa cidade. Olhe: quem é o investidor estrangeiro que neste momento, sem ser corrupto, quer ir para aquele nosso querido rectângulo? As duas fábricas que lá temos estão muito bem e recomendam-se, ponto final. Não quero mais, e estou feliz com a qualidade e o carácter da muita gente lusitana a quem dou, não emprego, mas trabalho. E esta desorientação total que por lá lavra esperemos seja passageira…
E vou ver se dou uma palavra a esse Mello (sim, com dois ou três lls), que creio é Vasco, excelente pessoa. Mas o caso do Costa Moniz merece que o vá maçar!
E viva o novo logo da Woschiems, wünsch mir Glück! Freundliche Grüße, com a amizade de sempre,
Palavras Cruzadas é o título de uma série de cartas íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro escocês (William Archibald), residente em St Andrews, na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os apaixonou. A correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos por Hoffmann na perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de Archibald. Misturam nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais culturais e económicos tanto portugueses como internacionais, revelando o seu cosmopolitismo. Usam de ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.