A Igreja portuguesa está a iniciar um processo de purificação justo e necessário. É um processo que vai ser doloroso, mas que ninguém duvida ser necessário para a sua credibilidade e autoridade, antes de mais, para todos os católicos, para quem a Igreja é indispensável à sua vida de fé. Para um católico, a Igreja é a presença de Cristo ressuscitado na terra. É humana, porque feita de homens, mas divina, porque criada por Deus.

Dito isto, é de louvar que seja a própria Igreja a primeira a querer fazer este exercício de verdade e purificação. Mesmo sabendo que as consequências serão um dano de reputação e a porta aberta a juízos precipitados e muitas vezes injustos. Nenhuma instituição ou agremiação se propôs até hoje a fazer o mesmo, e sabemos bem que a questão dos abusos sexuais não se limitou a alguns padres da Igreja (se fosse apenas um já era gravíssimo). É um flagelo que atingiu muitíssimas instituições do Estado e não só, sendo que até hoje falta um escrutínio sério e rigoroso sobre as ações e encobrimentos de todas estas organizações.

Nos últimos dias, multiplicaram-se uma série de notícias na comunicação social sobre denúncias e encobrimentos que merecem uma análise séria. Percebo que os jornalistas vejam nesta investigação que está em curso no interior da Igreja uma fonte rica de notícias. Acho até que muitas destas notícias devem ser divulgadas e carecem de esclarecimentos. Mas não é missão dos jornalistas fazer linchamentos de caráter em praça pública, muito menos fazer juízos precipitados sobre o comportamento daqueles que lhes parecem os alvos mais apetitosos, os bispos.

O que compete ao jornalismo é investigar, apurar, confirmar e noticiar com rigor. Por mais que os títulos sejam apelativos. Há uma responsabilidade de quem tem acesso à comunicação social e essa responsabilidade é particularmente exigente quando se trata de acusar pessoas.

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Dom Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, surgiu nas notícias nos últimos dias como um encobridor e alguém que fugiu às regras determinadas pelo Papa Francisco. Não sei se o bispo de Lisboa fez tudo bem e ajuizou de forma correta todas as situações. Será que alguém pode dizer isso de si próprio? A começar pelos jornalistas e comentadores seus acusadores? Mas errar num juízo ou na avaliação de uma determinada situação, inclusivamente na forma como comunica as opções tomadas, é muito diferente de encobrir, esconder ou ajudar a perpetuar ações criminosas.

Os que agora aparecem como os arautos da moralidade e dos bons costumes são os mesmos saudosos das libertinagens do maio de 68 que, entre outras modernices, teorizaram sobre os benefícios da estimulação da sexualidade das crianças (na altura não se usava o termo pedofilia). Daniel Cohn Bendit, um dos heróis do maio de 68 que acabou deputado europeu, ficou mesmo célebre pelos seus escritos sobre os benefícios daquilo a que hoje chamamos pedofilia. Nada disto justifica ou diminui a ação criminosa de todos os que abusaram de crianças, padres ou não. Mas devia fazer pensar quem agora é tão lesto em queimar homens bons em praça pública.

Dos acusadores, conheço os pecados e liberalidades de alguns. A Dom Manuel Clemente, meu bispo, deixo uma lembrança evangélica, quando Jesus se manifestou aos seus discípulos junto ao mar de Tiberíades: «Simão, filho de João, amas-Me tu mais do que estes?». Ele respondeu-Lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta os meus cordeiros». Voltou a perguntar-lhe segunda vez: «Simão, filho de João, tu amas-Me?». Ele respondeu-Lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas». Perguntou-lhe pela terceira vez: «Simão, filho de João, tu amas-Me?». Pedro entristeceu-se por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez se O amava e respondeu-Lhe: «Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas. Em verdade, em verdade te digo: Quando eras mais novo, tu mesmo te cingias e andavas por onde querias; mas quando fores mais velho, estenderás a mão e outro te cingirá e te levará para onde não queres». Jesus disse isto para indicar o género de morte com que Pedro havia de dar glória a Deus. Dito isto, acrescentou: «Segue-Me».

Sou católica, filha e amiga, embora à distância, de Dom Manuel Clemente. Partilho com muitos o incómodo e o sentimento de injustiça da tentativa de linchamento público que se está a fazer a este homem que toda a sua vida só procurou servir Jesus e a sua Igreja. Incomoda-me particularmente saber de alguns padres desta mesma Igreja que vieram agora denunciar em público ações ou omissões de que aparentemente tinham conhecimento e das quais não deram conhecimento às autoridades como era sua obrigação, senão como padres, ao menos como cidadãos que também são. Cheira-me tudo a esturro e a política.

Peço ao meu bispo que resista e não nos abandone. Rezo pedindo a intercessão do padre João Seabra e do padre António Vaz Pinto, dois grandes padres desta diocese de Lisboa que foram recentemente para o céu, para que intercedam pela fortaleza de Dom Manuel Clemente nestas horas de provação. Sei que eram seus amigos e companheiros de uma vida de fé. Tenho a certeza de que agora no céu serão a sua fortaleza.