A primeira foi proferida na segunda-feira, 1 de Junho, por Quincy Mason Floyd, filho de George Floyd, o cidadão americano barbaramente assassinado a 25 de Maio, numa rua de Minneapolis, por um polícia fardado. Em nome da família enlutada, o jovem Quincy apelou ao fim das manifestações violentas de protesto e à estrita adopção de métodos de protesto pacíficos. O mesmo apelo foi lançado pelo irmão da vítima, Terence Floyd, durante uma cerimónia religiosa em Minneapolis.
A segunda decisiva declaração foi proferida por James Mattis, o General na reserva que, durante cerca de dois anos, foi o primeiro secretário da Defesa de Donald Trump. Numa incisiva declaração à revista The Atlantic, James Mattis acusou directamente o Presidente Trump de “ser o primeiro presidente, durante o período da minha vida, que não tenta unir os Americanos — nem sequer finge tentar. Pelo contrário, ele tenta dividir-nos”.
Estas corajosas declarações terão contribuído decisivamente para contrariar e atenuar os tribalismos rivais que estavam a dominar a cena política americana: por um lado, a violência de grupos activistas que manchavam a mais do que legítima revolta contra a violência policial; por outro lado, a violência verbal de Donald Trump e o seu insolente desrespeito por normas de cortesia e civilidade.
A origem da violência dos grupos activistas é relativamente fácil de detectar. Basicamente, trata-se de fanatismo anti-liberal que usa a indigna violência policial como pretexto para atacar a democracia liberal. Isto ficou aliás particularmente patente em Londres, onde grupos radicais atacaram a estátua de Churchill num alegado protesto contra a violência policial em Minneapolis.
Mais difícil é definir a tradição política em que se inserem, ou pretendem inserir, as erráticas declarações de Donald Trump. São em regra brevíssimas palavras, em regra cheias de ódio tribal, sempre em nome da “Grandeza Americana” — mas sem uma única referência a documentos ou estadistas marcantes da nobre tradição política democrática norte-americana.
Talvez algum assessor pudesse sugerir a Donald Trump a leitura das edições 10 e 51 dos chamados Federalist Papers, da autoria de James Madison, quarto Presidente norte-americano. Designadamente a célebre passagem:
“Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário. Se os anjos governassem os homens, não seriam necessários nem controlos externos nem internos sobre o governo. Ao criar um governo que será administrado por homens sobre homens, a grande dificuldade reside no seguinte: devemos, em primeiro lugar, capacitar o governo para controlar os governados e, logo a seguir, obrigá-lo a controlar-se a si próprio. A dependência do povo é sem dúvida o controlo primário sobre o governo; mas a experiência ensinou à humanidade a necessidade de precauções adicionais.”
Em seguida, Madison argumenta que essas “precauções adicionais” são a separação de poderes e o controlo mútuo entre eles. Talvez o mesmo assessor pudesse explicar ao Presidente que estas “precauções adicionais” significam que o facto de ele ter sido eleito não quer dizer que possa desrespeitar a Constituição ou dizer todos os disparates que lhe apetecer.
Donald Trump gosta de citar a “grandeza americana”, mas ainda não nos explicou em que ela consiste e em que pilares assenta. Talvez algum outro assessor pudesse sugerir-lhe a leitura de um texto de um admirador da “grandeza americana”, por exemplo Winston Churchill. Quando em 1943 recebeu um doutoramento honorário na Universidade de Harvard, disse Churchill:
“A lei, a língua, a literatura — estes são factores consideráveis. Concepções comuns do que é justo e decente, uma vincada atenção ao jogo leal [fair play], especialmente para com os fracos e os pobres, um forte sentimento de justiça imparcial, e acima de tudo o amor pela liberdade pessoal. Se estivermos juntos, nada será impossível. Se estivermos divididos, tudo falhará. Por isso eu defendo continuamente a doutrina da associação fraternal entre os nossos dois povos — pela causa de serviço à humanidade e pela honra que distingue aqueles que fielmente servem grandes causas.”
Podemos admitir que estas sejam apesar de tudo passagens longas que podem cansar o Presidente. Sugerimos então que um terceiro assessor lhe envie um tweet [julgo que é assim que se diz, porque não frequento] com o seguinte aviso de Winston Churchill (que reproduzo em inglês para facilitar a leitura):
“Americans can always be trusted to do the right thing, once all other possibilities have been exhausted.”