1 Tanto quanto sei – apesar do quase silêncio da comunicação social sobre o tema — haverá uma cerimónia oficial em Londres, com a presença do Rei Carlos III e do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. E têm ocorrido inúmeras iniciativas da sociedade civil, quase todas ignoradas pela comunicação social, pelo Parlamento e pelos partidos políticos.
2 Permanece para mim um mistério intrigante por que motivo esta efeméride tão marcante continua a ser quase ignorada entre nós. Não desejo sugerir qualquer “teoria da conspiração” acerca das “elites contra o povo” ou da “esquerda contra a direita” (neste caso também poderia ser da “esquerda e da direita contra os outros”).
Não subscrevo teorias da conspiração e não frequento as chamadas redes sociais, sobre as quais nada sei, a não ser aquilo que vozes amigas me deixam saber.
Mas fui amavelmente ensinado sobre o conceito de cultura política, por sinal quando estudei em Inglaterra. E sou levado a conjeturar se não haverá entre nós um problema de cultura política que misteriosamente nos leva a ignorar, ou pelo menos menosprezar, a importância crucial da Aliança Luso-Britânica – designadamente da dimensão marítima desta aliança entre duas nações marítimas europeias.
3 Não é aqui o lugar para rever a imensa literatura clássica sobre a dimensão marítima da civilização europeia e ocidental, fundada no diálogo pluralista entre Atenas, Roma e Jerusalém, entre Fé e Razão.
Ser-me-á talvez autorizado recordar que Karl Popper – no seu clássico de 1944 A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, por muitos considerado como “a (segunda) Bíblia das democracias ocidentais” – sublinhou que a sociedade aberta do Ocidente emergiu das comunicações marítimas e do comércio marítimo de Atenas. A sua principal opositora, Esparta, era uma potência continental, fechada, coletivista, autoritária, centralizada, inimiga do comércio, da família e da propriedade privada, que via no mar e na opção pelo mar a principal ameaça ao seu fechamento.
Vale a pena acrescentar que inúmeros distintos historiadores internacionais atribuem a Portugal e aos Descobrimentos do século XV um papel marítimo verdadeiramente notável: o de ter alargado a dimensão marítima europeia de um “corpo finito, o Mediterrâneo fechado, ‘o mar-no-meio-da-terra’, para a costa do Atlântico aberto e dos oceanos sem fronteiras no Mundo” (Daniel Boorstin, Os Descobridores, Gradiva, 1998, p. 153).
4Vale talvez a pena ainda recordar que esta dimensão marítima e atlântica foi insistentemente sublinhada por Winston Churchill como distintiva da tradição liberal e democrática do Ocidente, contra as ameaças despóticas do nacional-socialismo nazi e do comunismo. Churchill sublinhou inúmeras vezes a importância e simbolismo da aliança marítima luso-britânica – designadamente quando elogiava a aliança anglo-americana, quando apoiou a criação da ONU, da NATO e também da Comunidade Europeia.
Para Churchill, esta dimensão marítima estava indissociavelmente ligada à democracia liberal, à hostilidade face a revoluções e contra-revoluções, à liberdade ordeira sob a lei, ao governo que presta contas ao Parlamento – o qual por sua vez presta contas aos eleitores.
5 Uma das favoritas citações de Churchill sobre esta tradição de liberdade ordeira e marítima remontava a um discurso do Primeiro-ministro William Pitt no Parlamento britânico, em 1763 (26 anos antes, permito-me recordar, da famosa, e a meu ver equívoca, Revolução Francesa de 1789):
“O homem mais pobre pode na sua ‘cottage’ desafiar todas as forças da Coroa. A ‘cottage’ pode ser frágil – o seu telhado pode abanar, o vento pode entrar, a chuva pode entrar – mas o Rei de Inglaterra não pode entrar! Todo o seu poder não se atreve a trespassar as fronteiras da pobre ‘cottage’ – protegidas pela Lei.”
6 Para terminar, uma homenagem singela a duas mulheres portuguesas que singularmente têm sublinhado a importância da Aliança Luso-Britânica.
Em primeiro lugar, Maria Filomena Mónica, que estudou em Oxford e que incansavelmente vem testemunhando nos seus inúmeros livros a sua gratidão à experiência inglesa. Na última página do seu mais recente e muito tocante livro, Os Livros da Minha Vida (Relógio D’Água, 2023) escreve Mena (como gosta de ser chamada):
“É altura de mencionar o quanto devo à cultura, à tolerância e à beleza da Inglaterra. […] A Inglaterra mudou-me para sempre. De nenhum outro país é possível dizer o mesmo.” (p. 186).
Last but certainly not least, uma especial homenagem é devida a Maria João Araújo, oriunda da Universidade do Minho, doutorada em Música em Oxford e professora no muito distinto Christ Church College.
Maria João simplesmente fundou, por iniciativa própria e espontânea, a “Portugal-UK 650”, uma genuína instituição da sociedade civil que já promoveu mais de 300 eventos alusivos à velha Aliança. Vai estar em Londres, naturalmente, na próxima quinta-feira. (E, modestamente, teremos também o privilégio da sua presença no próximo Estoril Political Forum, a 26-28 de Junho, bem como já tivemos nas Atlantic Conferences, na Madeira, em Janeiro último).
Mil obrigados a ambas.
Yours ever,
João Carlos