Em Novembro de 2014, avancei a previsão de que o fantasma de José Sócrates pairaria sobre a campanha e sobre o próprio futuro do PS. Em Setembro de 2015, creio que a palavra “fantasma” pode estar a mais: Sócrates é, por direito e vontade própria, a figura central das próximas eleições legislativas. Como reconheceu a insuspeita Fernanda Câncio num lúcido artigo: “Não há, pois, volta a dar: Sócrates está no centro da campanha. Porque os media querem, porque a coligação quer e, como a revelação, ontem, de uma foto no interior da casa tornou inegável, ele quer.”
No debate televisivo, António Costa fez o que tinha de fazer perante a desmoralização das hostes socialistas e uma campanha em risco de colapso interno: jogou ao ataque, foi sistematicamente agressivo e encostou às cordas um Passos Coelho pouco assertivo e aparentemente pouco interessado em entrar no jogo de Costa. As bases socialistas compreensivelmente (e legitimamente) rejubilaram e recuperaram algum ânimo para a recta final da campanha. Mais tarde se verá se o desempenho foi ou não eficaz para inverter a tendência consistente de queda do PS nas sondagens ao longo dos últimos tempos.
Pela sua parte, José Sócrates aplaudiu euforicamente o desempenho do seu ex-número 2 António Costa e teve boas razões para isso. Costa não só não se distanciou claramente das políticas do Governo socialista que colocou Portugal no limiar da bancarrota como foi ao ponto de “acusar” Passos Coelho de ter chamado a troika, esquecendo que foi precisamente o Governo de José Sócrates quem a chamou a 6 de Abril de 2011, depois de o ministro das Finanças Teixeira dos Santos ter assumido que o Estado português estava prestes a entrar numa situação de ruptura de tesouraria, ficando sem dinheiro para pagar salários e pensões.
Também em termos de estilo, Sócrates tem razões para estar agradado com o desempenho de Costa. A agressividade permanente de Costa na entrevista fez lembrar o “animal feroz”, tendo-se aliás mantido na entrevista conduzida por Vítor Gonçalves, com o líder do PS a procurar sistematicamente intimidar o jornalista da RTP, em linha com o estilo de Sócrates.
Desde as promessas de Costa aos apoios transversais na comunicação social – a mesma que triturou António José Seguro – são cada vez mais os elementos que fazem lembrar Sócrates. E, por muito que isso desagrade a muita gente, não é de estranhar já que Sócrates é o político socialista português mais marcante dos últimos 20 anos. Como escrevi em Novembro:
“É importante relembrar também que os desenvolvimentos judiciais dos últimos tempos não fazem com que Sócrates deixe de ser um dos mais carismáticos e marcantes políticos da democracia portuguesa, particularmente no que diz respeito ao PS. Se Mário Soares foi o mais marcante e emblemático político socialista das duas primeiras décadas pós revolução de 25 de Abril de 1974, o mesmo pode ser dito sobre José Sócrates relativamente às duas décadas subsequentes. O extraordinário carisma de Sócrates, juntamente com as suas apuradas qualidades de comunicação, explicam aliás em boa parte as reacções extremadas – de amor e ódio – que suscita.”
Dia 4 de Outubro, os líderes partidários que vão a votos são Passos Coelho e António Costa mas a figura central é Sócrates. São em larga medida o padrão e estilo de governação de José Sócrates – por contraste com os de Pedro Passos Coelho – que estão em causa nas próximas eleições. Não seria assim com António José Seguro mas, se António Costa ganhar, será dado um importante passo para a reabilitação política de Sócrates. E, se Costa perder, Sócrates terá, ainda assim, uma palavra a dizer no futuro do partido. Uma coisa é certa: as notícias sobre a morte política de Sócrates foram manifestamente exageradas.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa