Na longa ressaca da noite eleitoral de 26 de Setembro, escrevo a seguinte crónica sobre um dos elementos que falhou rotundamente ao longo da campanha: as sondagens.
Quem acompanhou as sondagens verificou que em Lisboa, segundo essas previsões, o engenheiro Carlos Moedas nunca ganharia a Câmara. A primeira sondagem eleitoral, da Intercampus para o jornal Novo Semanário, a 16 de Abril de 2021, dava uma diferença de 20 pontos percentuais.
O leitor pode sempre contra-argumentar que esta foi feita ainda a cinco meses da eleição, tempo mais do que suficiente para o eng. Moedas afinar a comunicação e a campanha para esbater a diferença e ganhar.
Mas as sondagens continuaram novamente a falhar a poucos dias da eleição, já com três debates feitos e a campanha em curso.
O CESOP-Universidade Católica Portuguesa, para a RTP e Jornal Público, a 22 de Setembro, dava a vitória a Fernando Medina com 37%, atribuindo 28% ao candidato Carlos Moedas.
A empresa Pitagórica, na mesma semana, para a TVI, dava 40% para Fernando Medina e 33% para Carlos Moedas. Era a melhor sondagem para Carlos Moedas em termos absolutos, mas deixava os alarmes a soar na máquina de campanha, que via que a vitória seria cada vez mais difícil.
As campanhas continuaram a evoluir e Carlos Moedas, para esbater diferenças, apostou tudo no comício da FIL, com a presença de convidados como Paulo Rangel e Paulo Portas, e na arruada final, do Chiado até aos Paços do Concelho, onde a caravana dos Novos Tempos foi inovadora na comunicação e nos cartazes, mas continuava sempre com uma “nuvem negra” de derrota iminente a pairar por cima das cabeças, por culpa das sondagens.
Mas as sondagens voltaram novamente a falhar à boca das urnas, no dia 26 de Setembro.
A única instituição que acertou na vitória e nos valores que o eng. Carlos Moedas viria a conquistar, foi a CESOP-Universidade Católica Portuguesa, para a RTP.
A SIC encomendou uma sondagem ao ISCTE que dava empate técnico entre os dois candidatos e, para piorar a situação, a Pitagórica, para a TVI, dava derrota certa, por 3%, ao eng. Moedas.
Tantas sondagens e cenários diversos, mesmo à boca das urnas deixa várias perguntas no ar: como é possível? O que falhou? O que ameaça a credibilidade destas instituições e das sondagens?
Caro leitor, o que aconteceu foi um somatório de vários fatores externos que culminaram no maior dos problemas técnicos das sondagens e das amostras estatísticas: enviesamento amostral.
Todas as sondagens pré-eleição tiveram uma média superior a 500 chamadas telefónicas. A dimensão da amostra é boa, a margem de erro também era por volta dos 3,5%. Tecnicamente, aqui parece tudo bem. Mas o primeiro problema que pode acontecer é na escolha da amostra: se os números de telefone escolhidos forem de zonas e locais mais afetos a uma força política, a heterogeneidade fica comprometida e dará mais votos a essa fação. No exemplo de Lisboa é fácil de explicar esse desequilíbrio: se se ligar mais para números situados em locais como Alcântara, Ajuda, Campolide e Marvila, a probabilidade de o PS ter uma vitória esmagadora sobre a concorrência é muito elevada.
Tal situação seria também possível, a favor da direita tradicional (PSD-CDS), se se ligasse muito mais para números em Belém, na Estrela e em Santo António.
O segundo problema que aconteceu foi causado pela reação de medo e vergonha dos inquiridos no momento da chamada. Há pessoas que, para não ficarem na rubrica NS/NR (Não Sei/Não Responde), assumem um sentido de voto que não irá corresponder ao sentido de voto final em urna. O entrevistador nada pode fazer contra esse fenómeno e, novamente, terá algum peso nos resultados recolhidos.
Em Lisboa, aconteceu com alguns votos de direita, quer na coligação Novos Tempos, quer em novos partidos como o Chega e a IL. É cruzar os dados finais eleitorais com as sondagens e verificamos ligeiras diferenças, freguesia a freguesia.
Na sondagem à boca das urnas, o problema técnico que aconteceu, fazendo aparecer três resultados diferentes para três canais televisivos, foi a escolha dos locais de recolha de voto/sondagem.
Pessoalmente, eu participei na sondagem da CESOP-Universidade Católica Portuguesa em S.Domingos de Benfica. A inquiridora tinha bastante cuidado na escolha dos participantes, por idade e género, procurando estabelecer um equilíbrio entre homens e mulheres e, ao mesmo tempo, um equilíbrio demográfico, pela idade média estimada da população votante naquele local.
Será que todos os inquiridores, de todas as empresas, tiveram o mesmo cuidado? Será que é uma questão explicada meramente pela aleatoriedade dos respondentes? Provavelmente, não…
E, ao mesmo tempo, será que estudaram as secções e tendências de voto, quatro anos antes? Talvez assim se conseguisse um maior equilíbrio e proximidade à realidade. Todos queremos acreditar na boa fé destas instituições de sondagens, mas no fim, com excepção da CESOP-Universidade Católica Portuguesa, as restantes falharam!
Ficam no ar as questões a que agora as empresas de sondagens terão de responder, para garantir uma maior transparência no seu funcionamento para atos futuros.
Deixo também uma palavra de apreço e reconhecimento ao eng. Carlos Moedas e à coligação Novos Tempos. Não só por terem ganho as eleições em Lisboa, mas também por agora passarem a servir de caso de estudo para a disciplina de Estatística nas universidades portuguesas, como um excelente exemplo dos múltiplos erros do instrumento técnico que é a sondagem.