Na passada semana, o ex-deputado do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, escreveu o seguinte texto na sua página de Facebook: «Quando, entre 1945 e 1949, o Tribunal Internacional de Nuremberga julgou os comandos nazis por crimes de guerra e por crimes contra a humanidade, a defesa dos réus mostrou que os comandos militares aliados tinham tido comportamentos idênticos. Uma guerra é uma guerra. Há crimes de guerra e crimes contra a humanidade na guerra da Ucrânia? Claro que há e claro que não são só de um lado. Porque é assim uma guerra. Apurem-se os crimes e os criminosos, sejam quais forem, com todo o rigor. Porque são as mais básicas considerações de humanidade que estão em causa.»

E já em entrevista ao Diário de Notícias também Pureza esclareceu: «As narrativas a preto e branco são falsas e só servem para incendiar emoções e para colocar a destruição física do outro como o cenário apetecível.» Na abstracção dos pensamentos, Pureza tem razão: uma guerra é uma guerra, e nela há crimes cometidos pelos dois lados que nela participam. E sim, as narrativas a preto e branco servem essencialmente para incendiar emoções.

Sucede que esta posição, aparentemente neutra sobre a invasão da Ucrânia, e os crimes lá cometidos pela Rússia, é a confirmação do que já não devia ser novidade: a sonsice do Bloco de Esquerda.

Primeiro, porque a tese de José Manuel Pureza é a de uma cabeça totalitária: recorre à amálgama para fazer valer uma ideia sobre a qual sabe que está em minoria. Não mencionando sequer a abjecta relativização que faz dos crimes praticados pelos nazis na II Guerra Mundial, Pureza avança com a tese da banalização dos crimes de guerra, num ensaio aparentemente moderado sobre «as narrativas a preto e branco». O que está aqui de errado? É que as guerras não são todas iguais, os lados nelas envolvidos não são sempre os mesmos, a política prosseguida através de um conflito militar não é sempre igual. Perante uma invasão de um país soberano por uma potência nuclear, perante o conhecimento de crimes contra a humanidade cometidos pelo exército invasor, Pureza opta por ficar em cima do muro, com a falsa e sonsa tese de não se pode olhar para uma guerra só de um lado, misturando guerras diferentes para fazer valer a sua aparente neutralidade.

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Segundo, porque esta, vá, neutralidade não é o histórico político do Bloco. Alguém se lembra de ouvir alguém oriundo do PSR ou da UDP banalizar os crimes de guerra cometidos por soldados portugueses em África recorrendo a crimes de guerra cometidos pela guerrilha independentista? Pureza está disponível para relembrar os membros do MLG que cortaram orelhas de populares guineenses só porque se recusaram a aderir à guerrilha? Ou neste caso uma guerra já não é uma guerra, e nelas só são cometidos crimes pelo lado de que não gostamos?

Na verdade, é isto que está aqui em causa. José Manuel Pureza (e o Bloco de Esquerda, em bom rigor) tem uma posição que pode ser resumida da seguinte forma: se o lado de que eu não gosto é tido como inimigo, é ele o criminoso de guerra; se o lado pelo qual eu tenho simpatia é tido como inimigo, então já temos de olhar para todos os lados e ter o discernimento de aceitar que em todas as guerras se cometem crimes.

Esta posição pode ser uma novidade para muito boa gente, inclusive para boa parte dos que passaram os últimos seis anos a invocar a alegada moderação bloquista, mas de novidade não tem nada. Ainda o Bloco não era Bloco, ainda os grupúsculos que o formaram andavam de costas mais ou menos voltadas, e esta visão monocular já era evidente.

Num debate parlamentar, em 1978, no exacto momento em que o presidente da Assembleia da República tomou conhecimento do assassinato de Aldo Moro (sequestrado há praticamente dois meses pelas Brigadas Vermelhas), o então deputado da UDP, Acácio Barreiros, esclarecia, depois de lamentar a morte de Moro: «A UDP não é, em geral, contra a violência. Nós, como então dissemos, somos contra a violência reaccionária. (…) Da mesma forma que fomos sempre contra a violência da ditadura portuguesa contra os povos irmãos das colónias, mas a favor da violência revolucionária dos povos irmãos das colónias contra a agressão colonial fascista.»

Pode ser de mim, que sou um bocadinho conservador, mas sinto alguma falta do tempo em que a extrema-esquerda era honesta, em vez desta hipocrisia do manto de sensatez e moderação em que resolveu embrulhar-se nos últimos 20 anos. As coisas são sempre mais fáceis quando toda a gente resolve ser clara.