Muito se tem falado do atentado aos direitos humanos que foi o absurdo número de trabalhadores mortos na construção dos estádios para o mundial de futebol do Qatar. E como se tal não bastasse, ontem, já depois dos estádios estarem concluídos, a competição fez mais um plantel de vítimas. Desta vez foi um grupo de jovens suíços, atropelado pela selecção portuguesa.
E, atenção, não foi um daqueles atropelamentos de brincadeirinha, tipo passar por cima de um dedão do pé da esposa ao tirar o carro da garagem. Não, aquilo foi mesmo um daqueles atropelamentos com maldade. Do género apostar uma Coca-Cola para ver quem esmigalha mais helvéticos. E depois de lhes acertar, tipo bowling, ainda fazer uma marcha-atrás para garantir que ficam bem espalmados. Até chegar o cilindro de alcatroar rodovias para o calcamento definitivo.
Ainda assim, estou certo de que os suíços conseguem vislumbrar o lado positivo desta situação. Mesmo apesar dos olhos semi-cerrados em virtude do espancamento sofrido ontem. Estou convicto de que, no rescaldo da contenda, suspirarão de alívio: “Ufa, pelo menos fomos atropelados por Portugal no Qatar. Olha se temos sido atropelados por Portugal em Portugal, e agora tínhamos de ir para as urgências do Hospital de Santa Maria. Quando fôssemos atendidos já o Mundial de 2026 ia para aí nas meias-finais.”
Eh pá! Também não é preciso exagerar, seus papa-toblerones. Meias-finais não faz qualquer sentido. Fase de grupos talvez. Meias-finais nem pensar. Não, agora a sério, que o assunto assim o exige. O tempo de espera para ser atendido nas urgências de Santa Maria tem andado em torno das dez horas. Dez (10) horas. Mas não há caos nas urgências. Não há. O ministro da Saúde já veio garantir não haver caos. Pelo contrário. Há é muita calma no atender dos doentes urgentes. Até porque os doentes urgentes tendem a chegar ao hospital demasiado nervosos. Só por terem uma fractura exposta do fémur, ou assim. Chegam nervosos e portanto é bom acalmarem. Umas dez horinhas. Para relaxarem bem. Com sorte, na sequência de um desmaio resultante da perda de boas litrosas de sangue.
Portanto, fica o aviso. Se, por estes dias, fizer mesmo questão de ir às urgência de um hospital público, só porque tem uma qualquer urgência de saúde, receberá uma pulseira amarela de acordo com o chamado Protocolo de Triagem de Manchester e conte com uma estada no hospital de acordo com o chamado Protocolo de Tempos de Espera de Kinshasa. Protocolo assim denominado em honra das melhores práticas hospitalares da República Democrática do Congo. E agora que penso nisso, talvez tivesse sido boa ideia confirmar o tempo de espera nas urgências dos hospitais de Kinshasa, não vá dar-se o caso de, ao pé dos de Lisboa, parecerem unidades hospitalares de Zurique. Mas enfim. É tarde, adiante.
Perante isto, e se não está satisfeito com a forma como é atendido nas urgências dos hospitais, pode sempre ir fazer queixa à polícia. Quer dizer, fazer queixa à PSP, ou à GNR talvez seja infrutífero. O mais provável é os agentes da esquadra a que se dirigir estarem mais preocupados com urgências tipo faltar papel higiénico nas instalações vai para um trimestre. Mas pode sempre dirigir-se a uma esquadra chinesa, que parece ser o tipo de esquadra que está em grande expansão em Portugal e no mundo. Aliás, já faltou mais para, tal como vamos ao Hiper Oriental comprar chocolates Regina, irmos a uma esquadra chinesa reclamar da barulheira que o vizinho de cima está a fazer, só porque tem uma fractura exposta do fémur e não quer ir para as urgência esperar dez horas para ser atendido.
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