Rui Rio decidiu, através da sua comissão política, recusar a coligação com o CDS. Não haverá Aliança Democrática. Faz todo o sentido: se Rio pensa aceder ao poder através de acordos com o PS, seria bizarro mobilizar os eleitores em nome de uma alternativa ao socialismo. Rio erradicou ainda das suas listas os que estiveram com Paulo Rangel. Também faz sentido: se Rio pretende entrar em jogos parlamentares com o PS, não pode permitir que a bancada represente todo o partido, onde muita gente tem dúvidas sobre essa política.
O comentário nacional, com a sua obtusidade, só conseguiu ver aqui um suposto prejuízo do CDS. Não tenho a certeza de que prejudique o CDS. Mas prejudica seguramente o país. Há décadas que meio mundo nos recomenda “reformas estruturais”. O PS fez da oposição a essas reformas a sua razão de ser. O resultado foi a estagnação económica. Não tem afectado o poder socialista, porque o BCE financia o Estado e é através do Estado que os socialistas mandam e têm eleitores. Ora, é por meio de acordos com o PS ou da captação de eleitores socialistas que Rui Rio pensa aceder ao poder. Há que reflectir nisto.
Não sei se essa estratégia é a melhor para chegar ao poder, nem agora interessa. O que interessa é que votar em Rio, nestas condições, não é votar numa alternativa ao socialismo. Para o caso de António Costa vencer, é apenas votar na possibilidade de um governo socialista com uma base parlamentar diferente. E se Rio vencer, não será melhor. É que mesmo substituindo os socialistas no governo, Rio não se propõe substituir a sua influência na governação. Desde logo, porque é do PS que, em primeiro lugar, espera a viabilização dos seus orçamentos. Depois, porque mesmo que dispense os deputados socialistas, não dispensa a opinião socialista. Rio acha que a direita em Portugal é “meia dúzia de votos”. Conta apenas com os socialistas “cansados” de Costa. Mas não quer que eles venham ter com ele, convencendo-os. Não, ele é que se declara convencido de que o socialismo é o “centro”, e propõem-se ser ele a ir ter com eles, satisfazendo-lhes interesses e preconceitos, com um velho casaco de “centro-esquerda” dos anos 70. Não, esta não é a via do reformismo, a menos que chamemos reformas a golpadas como o esquartejamento regionalista do Estado.
Dir-me-ão: mas se Rio formar maioria com os partidos à sua direita? O problema é que a estratégia de aproximação ao PS tornará o PSD mais pequeno, ao abrir espaço aos seus rivais à direita. Não haverá voto útil no PSD, como teria havido numa coligação que se propusesse ser alternativa ao poder socialista, como foi a coligação que elegeu Carlos Moedas em Lisboa. Logo, a haver uma maioria de direita, é provável que seja uma maioria fragmentada, cruzada por muitas “linhas vermelhas”, e com um PSD sem força ou autoridade para a liderar. Dificilmente será a base de uma mudança decisiva. Para isso, teria sido preciso criar uma dinâmica de alternância em que Rui Rio manifestamente não acredita.
Admito, como já disse, que Rui Rio até seja um reformista. Mas neste momento, a sua ideia é chegar ao poder sem enfrentar o PS e cortejando a opinião socialista, a que chama o “centro”. Não, Dr. Rui Rio, a opinião socialista não é o “centro”: é apenas a esquerda, e só está no “centro” da política portuguesa, porque o senhor deixa que esteja. Esse caminho, ao contrário do que Rio pensa, tem riscos. Mas sobretudo, tem custos — custos na força e na autoridade que seriam necessárias para inverter o declínio nacional. Repito: não sei se será ou não bom para Rio. Mas não é certamente bom para o país.