Desta vez foi a propósito da eutanásia. Mesmo perante as mais graves questões, podemos contar sempre com André Ventura e o seu colaborador Augusto Santos Silva para reduzirem tudo a uma ocasião para discutir o Chega e a relação da restante direita com o Chega. O futuro do país parece por isso depender cada vez mais de o PSD, como maior partido da oposição (tem seis vezes mais deputados que o Chega), descobrir como sair desta tenaz política, em que Ventura aperta de um lado e o PS do outro.
Até agora, não descobriu. As opções têm sido duas: a indiferença, ou então levantar um dedo muito profético, e clamar com som e fúria que o Chega é o demónio. Nenhuma delas é boa. Comecemos pela segunda, a da “linha vermelha”. É a mais tonta. Primeiro, porque começa por negar uma evidência. O nacionalismo a que o Chega quer dar uma representação partidária autónoma é uma corrente política tradicional da direita, tal como o liberalismo e o conservadorismo. Nacionalistas, conservadores e liberais estiveram juntos nas grandes frentes eleitorais da direita nesta democracia, o PSD e o CDS. André Ventura e Diogo Pacheco de Amorim vieram daí, tal como muitos dirigentes da IL. É absurdo clamarem agora que nada têm a ver uns com os outros. Em 2020, aliás, voltaram logo a congregar-se no apoio ao governo açoriano, e não é impossível que um dia estejam aliados na viabilização de um governo nacional. A negação disto está condenada a cheirar a fraude.
Em segundo lugar, a opção da “linha vermelha” é a que mais convém, quer ao poder socialista, quer a André Ventura. Ao poder socialista, porque, como se tem visto, continuará a insistir na identificação do PSD e também da IL com o Chega, de modo a arrancar-lhes negações que, de tão constantes, acabem por ter o efeito de confirmar o que desmentem. A André Ventura, porque lhe permite misturar PSD e IL com o PS numa comum rejeição do Chega, e assim passar por única força política isenta de contactos com o poder socialista.
É então a opção certa a indiferença? Não. A partir do momento em que liberais e nacionalistas se autonomizaram daquelas que foram as grandes frentes partidárias das direitas, criaram naturalmente curto-circuitos entre si e os antigos partidos de onde vieram. A IL não é apenas liberal, mas sectária, a lembrar por vezes o choque de dogmatismos da extrema-esquerda dos anos 70. O Chega não é apenas nacionalista, mas demagógico e provocador, à maneira de Trump, o que lhe parece ter servido para mobilizar um eleitorado que não é o dos partidos tradicionais da direita. O resultado é uma política errática e instável. Portanto, o PSD não pode tratar o Chega e também a IL como se fossem o CDS, que de facto era um seu duplo e com quem por isso a condescendência mútua funcionava. Tem de os criticar quando vem a propósito. O que não pode é demonizá-los nos mesmos termos em que o PS o faz, porque será o principal perdedor desse jogo. A sua crítica tem de ser de tipo analítico, distinguindo o que é e não é aceitável, e não do tipo genérico das condenações bíblicas do mal e da heresia.
O país, como as chuvas desta semana mostraram em Lisboa e a degradação do SNS tem mostrado em todo o país, precisa de uma nova governação. Em grande medida, a melhor maneira de o PSD lidar com o Chega e com a IL não é preocupando-se com o Chega e a IL, mas provando que tem ideias e equipas para proporcionar essa governação. Ao Chega e à IL caberia explicarem o que farão perante essa governação. Desse modo, em vez de o PSD ter um problema chamado Chega ou IL, serão o Chega e a IL a ter um problema chamado PSD, o que, não sendo bom para eles, será bom para o país.