Na próxima semana, recomeçam as aulas em ensino a distância, após 15 dias de pausa lectiva. Já muito se discutiu sobre atrasos, opções políticas e indecisões do Governo face ao funcionamento do ensino a distância, seja para aulas ou para apoio à aprendizagem dos alunos. Mas há factos que não carecem de discussão, embora justifiquem críticas. Como estes: o calendário de aquisição de equipamentos foi objectivamente tardio e o investimento em 2020 ficou 40% abaixo do inicialmente autorizado (ou seja, teria sido possível adquirir mais computadores em 2020). Aqui vão três perguntas necessárias e as respostas possíveis face aos dados conhecidos.
Primeira pergunta: como justificar a distribuição tardia dos computadores?
Existe uma resposta do Governo que o país tem ouvido sucessivamente: a procura internacional por computadores aumentou drasticamente com a pandemia e afectou a capacidade de produção, atrasando a entrega destes produtos a quem os encomenda em grandes quantidades. Ora, mesmo que válida, esta explicação não apaga a outra parte desta história: o Governo planeou mal a compra dos computadores e demorou demasiado tempo a contratualizar as encomendas.
Todos se recordarão de quando, em Abril de 2020, o Primeiro-Ministro se comprometeu a iniciar o ano lectivo 2020/2021 com um computador distribuído a cada aluno — a confirmar-se, equivaleria a mais de um milhão de computadores distribuídos. Ora, apenas a 20 de Julho de 2020, a Resolução do Conselho de Ministros 53-E/2020 autorizou a despesa plurianual que permitiria a aquisição dos equipamentos informáticos para os alunos e para os docentes. Um mês depois, a 21 de Agosto, o Ministério da Educação abriu um procedimento para a aquisição de 102 mil computadores por ajuste directo. Divididos por três entidades (MEO, Claranet e Inforlândia), os contratos foram assinados entre os dias 16 e 21 de Outubro (ou seja, três meses após a referida resolução do Conselho de Ministros). Os computadores desta primeira ronda chegaram às escolas a partir de Novembro, com a distribuição a estender-se ainda durante o mês de Dezembro de 2020 — isto é, no final do primeiro período de aulas, após decisão tomada em Agosto.
Há mais. Sendo necessários mais equipamentos, o Ministério da Educação fez uma nova encomenda, desta vez através de concurso público. A decisão de avançar nesta compra foi emitida pelo Ministro da Educação, por despacho, no dia 16 de Outubro, ao abrigo da Resolução do Conselho de Ministros já referida. Acontece que os contratos apenas foram assinados a 31 de Dezembro de 2020, com estimativas de entrega às escolas entre Março e Abril — que, por sua vez, nessa altura encaminharão os equipamentos aos alunos.
Resumindo: o Governo tardou em avançar na aquisição dos computadores para o ensino a distância. Perante uma pandemia que, logo em Março de 2020, atirou o sistema educativo para um regime não-presencial, e que, desde cedo, se percebeu que não seria passageira, o Governo arrastou a decisão inicial até ao final do Verão. Que os contratos de aquisição tenham apenas sido assinados em Outubro e, depois, a 31 de Dezembro de 2020 é reflexo dessa falha de planeamento. É que, mesmo que as empresas fossem capazes de entregar as encomendas num período curto, com contratos tão tardios nunca seria expectável que os computadores chegassem atempadamente às mãos dos alunos, nomeadamente para fazer face a necessidades educativas no primeiro trimestre de 2021.
Segunda pergunta: quantos computadores foram encomendados (e quando)?
Esta é uma daquelas perguntas que tem resposta fácil: o Governo comunicou que, além dos 100 mil computadores adquiridos inicialmente, se encomendaram mais 335 mil equipamentos. Assunto arrumado? Nem por isso: em relação à última encomenda, se é verdade que o Governo fixou a meta nos 335 mil (rigorosamente 334.581 equipamentos), até ao momento (3/2/2021) apenas se conhecem os contratos para 258.651 computadores.
Por outras palavras, falta a informação quanto à aquisição de 75.930 computadores para a região Norte, referentes ao Lote 4 do Caderno de Encargos para este contrato público. Note-se bem, que esta ausência de informação não significa que a encomenda não tenha sido efectuada (o Governo informou que sim), apenas que ainda não foi publicada no portal dos contratos públicos. O que, agora sim, tem um significado: a contratualização foi posterior às dos restantes oito lotes, tendo sido feita já em Janeiro 2021, implicando que o calendário de entrega será também expectavelmente mais tardio — aqui para prejuízo específico dos alunos da região Norte, destinatários desses 75.930 computadores.
Terceira pergunta: por que razão não se compraram mais computadores, para além dos já encomendados?
Não havendo uma resposta objectiva a esta pergunta, os factos reforçam a relevância da questão. Na Resolução do Conselho de Ministros acima referida, foi autorizado um investimento plurianual de 386 milhões de euros para adquirir os computadores para os alunos do ensino básico e secundário nas escolas públicas. Esse investimento estava limitado a tectos máximos por ano: 157 milhões de euros em 2020 e 229 milhões de euros em 2021. Ora, olhando para o ano já terminado, verifica-se que os contratos firmados em 2020 ficaram muito abaixo desse patamar: somando todas as aquisições feitas (computadores e conectividade), o valor investido foi de 94 milhões de euros, representando apenas 60% do total de verba disponível para esse ano. Ou seja, ficou 40% do total por investir, cerca de 63 milhões de euros. Alguma coisa falhou.
Vale a pena repetir: para além de ter tratado destes contratos tardiamente, para prejuízo dos alunos que agora iniciarão o ensino a distância sem equipamento, o Ministério da Educação também adquiriu menos computadores do que poderia ter adquirido em 2020, face à verba orçamental a que estava autorizado investir (pois deixou 40% por gastar, 63 milhões de euros). Perante a oportunidade desperdiçada, importa no mínimo questionar esta opção do Ministério da Educação.
Chegados aqui, eis a conclusão possível. Perante o iminente arranque de aulas a distância, não faltam inquietações e perguntas, retorquidas com explicações atabalhoadas para as inúmeras falhas, num evidente desnorte na gestão deste processo. Mas se esmiuçarmos os factos, tais como os revelados nos dados publicados no portal dos contratos públicos, o retrato é linear: a cronologia do processo mostra como o Ministério da Educação demorou demasiado a avançar na compra dos computadores e como, em 2020, investiu menos 40% do que estava autorizado a investir na aquisição de equipamentos (menos 63 milhões de euros). Hoje, faltam computadores às escolas, aos docentes e aos alunos? Pois faltam e isso não surpreende. A situação actual era evitável, caso o planeamento tivesse sido adequado.