A atitude de Trump face aos imigrantes não foi, desde a fase da campanha presidencial, politicamente correta. Basta recordar a ideia de completar o muro que já separa parcialmente os EUA do México ou a forma como, por várias vezes, se referiu aos mexicanos que pretendiam entrar no território estadunidense.
Episódios que deverão ser tidos em conta quando Trump, em recente entrevista a um canal de televisão, deu conta da sua intenção de alterar a lei da nacionalidade em terras do Tio Sam. Um desejo que muitos consideraram impossível e outros aceitaram como legítimo. Uma discrepância que exige clarificação.
No que concerne à atribuição da nacionalidade a quem nasce num determinado país, a legislação varia consoante o país. Assim, há países que privilegiam o jus solis, ou seja, atribuem a nacionalidade às crianças nascidas no país desde que os progenitores não se manifestem em sentido contrário. Por outro lado, há países que se baseiam no jus sanguinis e, como tal, consideram que o recém-nascido deverá ter a nacionalidade dos seus progenitores.
Como a História mostra, um mesmo país pode alterar a sua posição sempre que considere que os seus interesses estão em jogo. Dito de uma forma mais clara: quando necessita de aumentar a taxa de natalidade favorece o jus solis e quando se considera uma espécie de «mundo cheio» privilegia o jus sanguinis. Uma regra que, no entanto, sofre algumas oscilações por se cruza com outros fatores, designadamente de índole política, económica e cultural. É por isso que já há quem, como Marine LePen, conteste a atribuição de nacionalidade como direito automático.
Voltando à pretensão de Trump, não parece fácil ao Presidente alterar a lei vigente através de uma ordem executiva. O assunto é demasiado profundo e não parece ao alcance da vontade circunstancial de um Presidente, qualquer que ele seja.
De facto, a atribuição automática da nacionalidade estadunidense decorre da 14.ª Emenda da Constituição. Talvez convenha recordar que a Constituição ainda é a mesma que foi elaborada pelos Pais Fundadores, uma forma de manter o espírito inicial, embora procedendo a alterações de acordo com a conjuntura. Por isso, para mudar a lei da nacionalidade há que fazer uma emenda à Emenda. Algo que está para além das competências presidenciais.
Há, no entanto, um aspeto na lei que pode vir a favorecer as intenções de Trump. De facto, a 14.ª Emenda, na secção 1, reconhece o direito à cidadania norte-americana a quem nasce nos EUA ou se naturaliza, mas estipula que deverão estar “subject to the jurisdiction thereof”.
Como se constata, a Emenda não se refere aos pais do recém-nascido ou do naturalizado, mas faz deste o sujeito. Um «pormaior» que promete uma acesa batalha judicial no caso de Trump considerar que a situação relativa à condição dos progenitores deve ser automaticamente aplicada ao filho. Uma decisão perfeitamente possível quando é o populismo a falar, mesmo que os dados demográficos não se apresentem favoráveis.
Na verdade, a Demografia mostra que para ser possível a renovação de gerações o índice de fecundidade – o número de filhos que cada mulher em idade fértil deverá ter – é 2,1. Ora, nos Estados Unidos da América, a exemplo do que se passa na maioria dos países desenvolvidos, a fecundidade está em queda e já não atinge o valor mínimo para a renovação geracional. Um problema que não tardará a exigir um preço elevado, a menos que sejam tomadas políticas natalistas nesta parte do Mundo.
Algo que não deve preocupar Trump. Um Presidente não pode desistir facilmente de uma ideia perfeitamente consentânea com a sua visão do Outro. Uma posição que, a nível interno, é sufragada pelas vozes mais conservadoras. Vozes que não tardarão a defender que será preferível apostar na promoção da natalidade a nível interno. Para esta visão retrógrada, só é pena que a miscigenação de várias gerações já não permita o grau de pureza exigido pela eugenia.
Longe vão os tempos em que Alexis de Tocqueville escreveu A Democracia na América.