A decisão de Donald Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, ao mudar a embaixada dos Estados Unidos de Telavive para Jerusalém, espoletou uma reação semelhante à movimentação de um elefante numa loja de porcelanas. Daí que se tenha erguido um coro de protestos e de preocupações face à decisão trumpiana. Uma onda que varreu praticamente todo o Mundo.

Como era previsível, os palestinianos não demoraram a manifestar a sua ira. A cobertura mediática encarregou-se de difundir essa revolta. A bandeira dos EUA voltou a ser queimada. Os apelos a uma nova intifada tornaram a ecoar.

Por outro lado, muitos norte-americanos e os tradicionais aliados dos EUA também não escaparam à inquietação. Uns e outros incrédulos com a imprevisibilidade que tem caraterizado a estratégia de Trump.

Face a esta reação quase global, a imagem há muito em perda do Presidente dos EUA desceu a níveis pouco consentâneos com a manutenção na cadeira do Poder da maior potência mundial. A bandeira do impeachment não tardou a ser agitada.

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Porém, tal como uma moeda, esta questão tem de ser vista nas suas duas faces. O rigor exigido por uma visão interessada mas descomprometida com qualquer dos interesses em jogo.

Assim, se é um facto que o curto mandato de Trump tem provado à saciedade que o populismo que caraterizou a sua campanha eleitoral se mantém, não é menos verdade que isolar o Presidente da realidade interna dos EUA representa uma visão redutora. Por isso, atribuir por inteiro a responsabilidade a Trump é esquecer que o Congresso norte-americano já tinha aprovado, em 1995, a mudança agora anunciada. Uma alteração que Clinton, Bush e Obama foram protelando em nome da manutenção da paz possível.

Uma paz que, na realidade, nunca o foi. Um jogo de aparências assente num esquecimento intencional. O fazer tábua rasa do direito que reconhece a cada país ou Estado independente a possibilidade de escolher a sua capital.

Por outro lado, os palestinianos que agora clamam nas ruas contra a decisão de Trump não fazem questão de assumir as responsabilidades próprias no processo. Culpas que não são de somenos. Basta recordar que, desde a Guerra dos Seis Dias e da Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU em 1967, a ronda de negociações já foi extensa e que, a partir do acordo de Oslo em 1993, envolveram sempre as duas partes conflituantes. Negociações difíceis. Um diálogo de surdos, mesmo quando decorreu sobre a égide multilateral.

Por isso não pode ser olvidada a responsabilidade de Arafat no fracasso das negociações de Camp David em 2000 ou a recusa do Hamas em aceitar as decisões tomadas em Annapolis em 2007. Lista que poderia ser aumentada, embora convenha dizer que as culpas da parte israelita são igualmente múltiplas e significativas.

Face ao exposto, talvez seja aconselhável alguma reflexão sobre as razões que determinaram a decisão de Trump. De facto, tanto podemos estar perante mais um ato intempestivo do populista que os eleitores colocaram na Casa Branca como de uma decisão de maior alcance. Algo mais profundo porque o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel não significa obrigatoriamente que a cidade deixe de ser santa para as três religiões. Significa, isso sim, que não assiste razão aos palestinianos quando defendem que Jerusalém – toda a Jerusalém – é pertença palestiniana.

Afinal, o coro dos ofendidos teima em esquecer que muitos palestinianos, nas suas múltiplas fações, continuam a colocar em causa o direito à existência de Israel, pois consideram-se donos da verdade – e da terra – única.

Passada a emotividade inicial, os desenvolvimentos subsequentes mostrarão o real alcance da decisão de Trump.