Como previsto desde o primeiro instante em que foi lançada a campanha mediática a favor de António Costa para a liderança do PS, este ganhou facilmente a disputa com o deposto secretário-geral, António José Seguro, apesar de a ideia das “primárias” ser deste e não ter agradado inicialmente ao futuro vencedor. Nada de novo, contudo. Nem tão pouco a tão badalada participação nas “primárias”. O contrário é que seria surpreendente. Se militantes e, sobretudo, simpatizantes de última hora mobilizados pela media não votassem agora, pergunta-se quando votariam.

Ao todo, não conhecemos ainda a participação nem a possível diferença entre “militantes” e “simpatizantes”, a qual deve apontar no sentido de Costa ser o homem desses pretensos simpatizantes, muitos dos quais costumavam votar em partidos à esquerda da esquerda, mais do que dos velhos militantes do PS, sobretudo no Norte. Seja como for, Costa terá vencido com vantagem folgada, tanto maior todavia quanto mais baixa é a representatividade do PS em cada região, como Setúbal e Beja por exemplo. Assim foi recuperada a nefasta herança do sempiterno Sócrates, apesar de ter sido ele quem levou o país à bancarrota e – pior do que isso – de não cessar de se gabar disso. Veremos qual será a paga que o partido do novo líder ficará a dever ao seu mentor. Esperemos que não seja muito onerosa, mas não é certo.

Dito isto, ter-se-ão mobilizado para as “primárias” do maior partido da oposição menos de 200.000 pessoas, o que compara muito por baixo com perto de 3 milhões em Itália a favor de Matteo Renzi. Ora, a Itália não tem quinze vezes a população de Portugal; menos de metade disso. Portanto, se o PS português pretende comparar-se com os 25% que o Partido Democrático italiano obteve na eleição para o parlamento, teria tido de obter seis vezes mais votos nas “primárias”, ou seja, bem acima de um milhão de votantes. Encontra-se portanto a milhas de distância dessas mobilizações que já estão a ser aliás denunciadas como factos mais mediáticos e manipulados do que efectivamente político-partidários… Por outras palavras, as votações das “primárias” nada garantem quanto às verdadeiras eleições.

Seja como for, o dúbio balanço da operação que levou Costa ao poder no PS não terminou no fim de semana passado. Pelo contrário, começou ao fim da noite de domingo. Com efeito, aquilo que preocupa a grande massa do eleitorado português é o que o PS tem para nos oferecer e, pelos debates entre Costa e Seguro, pouco ficámos a saber, a não ser a concorrência populista ou moralista que faziam um ao outro. Como era de temer em situações similares, estamos em pleno domínio da ideologia, ou seja, a repetição de “slogans” que se crê agradar aos ouvidos de pessoas convencidas de antemão que, por interesse ou por crença, votam no género de eleições como as “primárias”, no caso, à volta de 2% do eleitorado.

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Pouca coisa! E quem não votou agora quando é que vai votar? A pretensa abertura à “esquerda da esquerda” não passa de uma ilusão. É em Setúbal ou em Beja, onde Costa obteve percentagens tão sonantes, que o PS pensa ganhar as legislativas do ano que vem? Esperemos que haja alguém no seu partido que chame o líder à razão. De outro modo, o país pode ficar do avesso. Haja coragem por parte do governo para prosseguir o pouco que conseguiu até agora!

Seja como for, os dois maiores trunfos da actual coligação governamental não são brilhantes, mas são reais e eficazes. A esmagadora maioria do eleitorado que se deslocará às urnas daqui a um ano nunca será mais do que uma parte da cidadania e tudo quanto esta sabe de decisivo acerca da situação do país resume-se a duas questões elementares: primeiro, há pouco mais de um ano toda a gente imaginava, sobretudo quem desse ouvidos à lenga-lenga bem-pensante da oposição que estaríamos hoje bem pior do que nos encontramos. Ora, se é certo que não estamos bem nem pouco mais ou menos, também é exacto que todos acreditávamos que estaríamos muito pior. E isto funciona como um trunfo em termos de expectativas.

Em segundo lugar, quem não perdeu o sangue frio sabe pertinentemente que, seja qual for o partido dominante no futuro governo, Portugal terá basicamente que fazer aquilo que os órgãos da União Europeia entenderem por bem. Pois até os Tsipras deste mundo, na Grécia ou na câmara municipal de Lisboa, acabaram por perceber que, a menos de sairmos da zona euro, não há qualquer solução para as dívidas que os governos e os consumidores do sul da Europa acumularam sem que uma via seja encontrada numa cimeira europeia, se e quando isso acontecer; nunca antes. Não é, pois, ameaçando incendiar as pontes que convenceremos os nossos parceiros, que irão transferir-nos milhares de milhões de euros nos próximos anos, a cumprir as suas promessas, como as têm cumprido desde que Portugal aderiu àquela Europa que Mário Soares considerava, com toda a razão aliás, que ela constituía a garantia do nosso regime representativo e das nossas liberdades, por limitadas que estas sejam nas esferas monetária e económica.