Um filho sabe que não pode pedir um favor a um pai na sua qualidade de Presidente da República. Um Presidente da República sabe que não pode dar seguimento a um pedido de favor de um filho seu. Não seguir este procedimento básico de distinção entre interesses familiares (quaisquer que sejam) e interesses públicos deverá envergonhar pai e filho e coloca em causa perante os cidadãos a dignidade com a qual o papel de primeiro magistrado do Estado é exercido. Dito isto está quase tudo dito. Muitos dos argumentos esgrimidos por jornalistas, comentadores e políticos são no sentido de criar nevoeiro para um não entendimento claro da distinção que é básica: o privado do público, a família do estado, os afetos do interesse nacional.

Um dos argumentos vai no sentido de ser necessário compreender o fio do tempo de todo o processo e não ficarmos apenas pela Presidência da República. Este argumento serve, acima de tudo, para diferir a atenção da ignição da indistinção do Presidente da República para o governo (o próprio Presidente deixou tal possibilidade) ou, pior ainda, para algum subalterno que se viu obrigado mais ou menos a determinada acção e que agora está já a prever algum processo disciplinar. O argumento do fio do tempo serve também para não encontrar o que quer que seja, num país em que a ausência de transparência e de informação, as ordens dadas oralmente para não deixar marcas da cadeia de comando e, mesmo, o desaparecimento de documentos, são comportamentos aprendidos e seguidos à letra por quem manda.

Um outro argumento interessante é uma consideração genérica de que o Presidente da República é uma pessoa séria. Este argumento é ele próprio uma evidência de um raciocínio da indistinção entre pessoa e função pública levado a cabo por jornalistas/comentadores. Não estamos a julgar a pessoa do Presidente, estamos outrossim a julgar um acto presidencial. Julgar esse acto não implica nem julgar todo o mandato presidencial nem a pessoa do Presidente e o seu carácter. Mas os actos do Presidente na função pública do mais alto representante do Estado e da Nação têm de ser julgados por todos nós de forma clara.

Um outro argumento vai no sentido de que não há matéria para acção criminal e, porventura, que pode não haver matéria de relevância legal. Este argumento serve para desvalorizar o que não é de todo desvalorizável e aceitar um país em que tudo é possível para alguns desde que não sejam apanhados nas malhas das leis. Serve, mais uma vez, para diferir a atenção para os operacionais (da Segurança Social, do Hospital de Santa Maria) que de facto actuaram. Esses podem ter cometido algum ilícito e é até provável que quem denunciou a situação seja quem acaba incriminado.

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Um outro argumento ainda é que com este assunto estamos a atacar as instituições e que tal apenas abre espaço aos populismos. É deveras interessante este apelo à censura, à auto-censura mesmo. Veja-se os políticos que usam tal estratagema! Políticos em democracia a apelar à auto-censura dos media e do cidadão. Até parece que não são as instituições que se estão a colocar em causa, afinal! Há assuntos sobre os quais não se deve falar de todo. E essa atitude fascista surge demasiadas vezes na mente e nas vozes daqueles que se consideram moderados

Um outro argumento leva mais longe o anterior, tentando fazer passar que a crítica a toda esta situação não é senão um sinal da xenofobia portuguesa. É por as gémeas serem brasileiras de origem que afinal está na base de todo este ‘sururu’ (para usar aqui uma palavra de origem Tupi para condizer). Quer dizer, qualquer jornalismo de investigação que revele os nossos frágeis meandros institucionais convém que seja transformado numa conspiração dos extremistas-populistas.

No final poder-se-á tentar, como tantas vezes, que o lugar da ignição da indistinção seja esquecido em função 1) da seriedade do Presidente; 2) da cadeia de comando que não agiu corretamente; 3) de alguns subalternos que, afinal, actuaram contra a lei e deveriam ter-se negado a tal; 4) dos comentadores, pois estamos a abrir espaço para o populismo; 5) do próprio populismo xenofóbico que é, afinal, o culpado deste caso. Enfim!

Qualquer que seja a estratégia de comunicação que ponham em marcha, o certo é que cada vez mais ‘tudo se junta para a noite’. Esta é a frase de um velho. Quando ficamos mais velhos, tudo acontece: deixamos de ver bem, deixamos de ouvir bem, perdemos memória, as palavras fogem-nos, temos dificuldade em andar e tudo nos vai acontecendo. Uma pessoa com 50 anos está muitas vezes na actualidade na força da vida, apta para fazer muito mais e melhor do que o que fez até então. Ou então está já só à espera da reforma! Quantos com 50 anos em Portugal não estão apenas à espera da reforma?! Os 50 anos de um indivíduo dependem muito das circunstâncias, tal como os 50 anos de democracia de um país! Na aproximação dos 50 anos do 25 de Abril de 74 parece cada vez mais que tudo se junta para a noite!