O agendamento da visita de Lula e a sua recepção e discurso no Parlamento português propiciaram, como seria de esperar, um dos 25 de Abril mais animados dos últimos anos. Sem surpresa, André Ventura cavalgou a onda e logo no dia 22 de Abril escrevia no Twitter apelando à mobilização dos seus apoiantes contra Lula:
“No dia 25 de Abril venham todos ao Parlamento às 9h! Vamos juntar a voz de todos contra Lula da Silva, a corrupção e a promiscuidade de Estado. Por Portugal, pelo Brasil livre, pela Ucrânia.
Lugar do ladrão é na prisão!”
A despropositada condecoração atribuída pelo Presidente da República Portuguesa à esposa de Lula da Silva por supostos serviços relevantes prestados à cultura portuguesa (mais uma “marcelice”, como bem explicou João Miguel Tavares) propiciou a Ventura mais uma oportunidade para capitalizar nos seguintes termos:
“A nossa idiotice e subserviência não têm limites! Atribuir uma das ordens honoríficas mais importantes à mulher do Presidente brasileiro só porque sim? Qual foi o serviço enorme prestado à Nação?
Banalizar a Nação e os seus símbolos é um sinal evidente de decadência!”
Na manhã de 25 de Abril, a encenação culminou com os deputados do CH a mostrarem cartazes de protesto contra Lula e a baterem com as mãos na mesa enquanto outros grupos aplaudiam Lula. O que por sua vez levou Augusto Santos Silva a uma admoestação aos gritos que teve tanto de descabida no tom como de inconsequente nos resultados. Com as transmissões televisivas a oscilarem entre Lula e as manifestações pró e anti Lula, o CH e Ventura tiveram um dia em cheio. O 25 de Abril de 2023 foi um tour de force para o CH oferecido numa bandeja pelo PS e por Marcelo.
É cada vez mais evidente que a estratégia do PS para tentar sobreviver politicamente a curto prazo passa por promover o mais possível o CH e André Ventura à liderança da oposição, esvaziando o PSD. Depois de, nas legislativas de 2022, o papão do CH ter servido ao PS para chegar à maioria absoluta, potenciando o voto útil à esquerda, os socialistas parecem agora apostar numa bipolarização entre os dois partidos. Tudo na visita de Lula encaixa aliás na perfeição nessa estratégia: colocar o PSD numa posição desconfortável ao mesmo tempo que se municia o CH com múltiplos argumentos para mobilizar o eleitorado descontente com o Governo e se propiciam sucessivas oportunidades para que André Ventura se apresente mediaticamente como o líder da oposição e da direita em Portugal.
Os episódios têm-se aliás sucedido: desde os apelos à proibição do CH por parte de Ana Gomes até a variadas intervenções discriminatórias e parciais por parte de Augusto Santos Silva e de Edite Estrela na condução dos trabalhos na Assembleia da República, sempre com a nota comum de colocarem os holofotes no CH ao mesmo tempo que lhe atribuem capital de queixa face ao “sistema” e ao “regime”.
Em muitos desses episódios, como nesta intervenção de Edite Estrela, fica a dúvida se estamos perante “apenas” uma mistura de parcialidade com arrogância ou se há mesmo uma encenação deliberada do PS para promover o CH. Uma terceira possibilidade é que alguns dos protagonistas socialistas destes actos se enquadrem na primeira hipótese ao mesmo tempo que os estrategas socialistas percebem e vêem com agrado a segunda hipótese e a consequente promoção do CH.
Com o PSD notoriamente fragilizado e com um dos mais deprimentes grupos parlamentares de que há memória, a estratégia socialista de esvaziamento e de debilitação do PSD e de bipolarização com o CH pode muito bem funcionar (salvo, talvez, num cenário de regresso de Pedro Passos Coelho). Mas não deixa por isso de ser uma estratégia arriscada a médio e longo prazo. Vale a pena recordar que em França, depois de anos sucessivos de promoção de Le Pen e da FN, quem acabou por ficar esvaziado foi o próprio PSF. É compreensível o apego do PS ao poder e a sua resistência a afrouxar o controle sobre o aparelho de Estado e sobre a execução dos fundos europeus, mas em nome desses tacticismos partidários de curto prazo os socialistas estão a brincar com o fogo.