Faz esta semana trinta anos que, a 25 de Dezembro de 1991, a União Soviética se desmoronou e a bandeira da Federação Russa substituiu a da foice e do martelo em fundo vermelho no telhado da Casa Branca, em Moscovo. Putin sabe como ninguém que o fim da URSS era já claro quando os ucranianos apoiaram esmagadoramente a declaração de independência num referendo realizado a 1 de Dezembro. Também, ninguém como Putin tem presentes estes acontecimentos e ninguém os contesta com mais veemência do que o Presidente russo.

O impulso da Rússia para dominar a Ucrânia e ditar o seu futuro decorre da assunção de que os acontecimentos de há três décadas foram ilegítimos e que lhe cabe restaurar a Ucrânia como parte da sua esfera de influência. O passo crucial deu-se em 2014, quando a Rússia quebrou a ordem do pós-Guerra Fria e desafiou abertamente o sistema internacional liderado pelos Estados Unidos ao anexar a Crimeia. Depois da eleição de Biden, em Novembro de 2020, a rivalidade entre o Kremlin e o Ocidente intensificou-se. Moscovo vê a vontade desta administração de restaurar a aliança ocidental e de uma política de dissuasão, incluindo o armamento dos ucranianos, como uma ameaça a evitar a todo o custo. Parece claro que em Moscovo o sacrifício de jovens soldados em nome de uma política saudosista e expansionista é visto como totalmente justificado.

Percebendo que Moscovo passou da defesa à ofensiva, Washington está a recuperar a dissuasão como resposta às novas ameaças militares. A forma como o fazem terá consequências de grande alcance para a futura direção da política externa Russa, e consequentemente para a segurança da Europa.

A resposta americana à ameaça russa tem sido muito mais decisiva do que a de Obama. Primeiro, a administração Biden está a ajudar a reforçar as defesas da Ucrânia para fazer face à acumulação de tropas russas perto da sua fronteira e os EUA têm vindo a deslocar meios militares com capacidade nuclear para os novos membros da Europa Central e Oriental da NATO, e a robustecer a presença militar desta no Mar Negro. Se é claro que a NATO e os Europeus são parte essencial desta estratégia, menos claro é a unidade destes últimos face à Rússia.

No Conselho Europeu da semana passada, quando se debateu a resposta europeia a uma possível invasão da Ucrânia, os europeus pareceram divididos e fracos. A razão principal desta divisão decorre da dependência energética alemã da Rússia. Olaf Scholz, o novo chanceler alemão, tornou claro que a sua prioridade será a de garantir a segurança energética da Alemanha e que nem a ameaça de uma invasão russa da Ucrânia o demove da compleição do oleoduto Nord Stream 2. Neste momento decisivo para a reconfiguração das relações entre as principais potências ocidentais, fica claro quão pesada é a herança da política energética errática de Angela Merkel, não só para a Alemanha como para a Europa.

No trigésimo aniversário da independência da Ucrânia, cumpre-se a profecia de que a Ucrânia e Taiwan se tornariam os pontos nevrálgicos da competição geopolítica que se adensa. Em Kiev, o aniversário é comemorado de coração pesado. Para os aliados, sem fim à vista das políticas expansionistas da Rússia e da China, os decisores deparam-se com a urgência da revisão da arquitetura de segurança europeia.

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